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Formas de Governo Representativo

A política é baseada em princípios, sejam eles morais, sociais, ideológicos ou práticos. Bernard Manin ao deter-se sobre a questão do governo representativo observou que desde sua gênese no limiar do século XVIII, alguns princípios práticos, “instituições concretas”, segundo ele mesmo escreve, permaneciam inalterados e podiam ser visualizados desde aqueles tempos até então. Ele sintetiza-os da seguinte forma: Os representantes são eleitos pelos governados; Os representantes conservam uma independência parcial diante das preferências dos eleitores; A opinião pública sobre assuntos políticos pode se manifestar independente do controle do governo; As decisões políticas são tomadas após debate. Estes quatro tópicos são abordados por ele em seu ensaio “A Metamorfose do Governo Representativo”[1] à luz das três formas de governo representativo que ele considera mais comuns[2], as quais abordarei no decorrer desta resenha. A seguir irei discorrer sobre os quatro princípios levantados por ele em seu ensaio. Os Representantes são Eleitos pelos Governados Para que possa existir representação os governantes necessariamente precisam ser periodicamente eleitos pelos seus governados, sem isso o Estado assume um caráter totalitário, onde o governante, na maioria dos casos, não representa a maior parte da sociedade, mantendo-se no poder invariavelmente pela coerção imposta pelo aparelho repressivo do Estado. A renovação periódica dos governantes através do pleito eleitoral, pressupõem uma liberdade individual inerente aos países cujo regime é pautado pela democracia. Um dos princípios básicos da democracia, é a idéia de permitir o acesso dos mais variados setores da sociedade às esferas de poder estatal, instrumento este que visa a diminuição da distância social entre as elites dominantes e a base da sociedade, menos influentes politicamente. Todavia, em um sistema eletivo não é o povo que governa a si mesmo em uma espécie de auto-governo, cabe a um ou mais representantes escolhidos pelos eleitores a direção do Estado. Desta forma as diferenças de status e função, entre povo e governo não são eliminadas. E nem podemos subtender que através de eleições os governados escolherão exclusivamente pessoas semelhantes a eles para serem seus governantes. O histórico dos processos eleitorais revelam que aqueles que são vitoriosos são indivíduos que de alguma forma se destacaram, seja por qualidades individuais ou por pertencerem a instituições que possuem grande abrangência da população, não sendo necessário uma identificação particular e individual com o candidato, salvo o modelo parlamentarista, no qual há possibilidade de uma maior identificação por parte do eleitorado com o representante eleito, porém, mais por pertencer à mesma localidade e região do que à mesma classe social. As eleições repetidas funcionam ainda como uma forma de influência do povo sobre os seus representantes e suas decisões no governo. De forma que, durante seu mandato, o governante que tenha um mau desempenho no uso de sua função, seja deixado de lado em futuras eleições ou no caso de uma reeleição. O princípio de que “os governantes são eleitos pelos seus governados”, assume um caráter diferente em cada modelo de governo. Manin os diferencia da seguinte maneira: a) No Governo Parlamentar: Nesta forma de governo as eleições foram concebidas como uma maneira de conduzir ao governo as pessoas que detinham a confiança de seus concidadãos. Assumindo um caráter essencialmente pessoal, as relações de confiança com determinado candidato com seus eleitores, seus laços sociais, é que irão definir seu sucesso em uma eleição. Os governantes vão constituir uma elite de notáveis, pessoas que se destacaram na cena política de sua região por sua personalidade, riqueza ou ocupação. b) Na Democracia de Partido: Com a extensão do direito de voto à maioria da população, o eleitorado passou a ser composto de uma gama mais diversa de indivíduos, limitando e até mesmo impedindo a identificação do eleitor com seus representantes e suas relações de viés pessoal. Os partidos políticos[3], juntamente com suas burocracias e sua rede de militantes surgiram exatamente para mobilizar esse eleitorado mais numeroso. As classes sociais passaram a ter maior peso durante as eleições, pois na democracia de partido, a representação se torna fundamentalmente um reflexo da estrutura social. Em um sistema político-eleitoral dominado pelas máquinas organizativas partidárias aliadas a um programa político, como define Umberto Cerroni o partido político[4], os indivíduos tendem a votar influenciados pela ideologia de uma legenda. Mesmo nesta forma de governo, as eleições permitirão que uma elite assuma o poder, neste caso a elite partidária, indivíduos que se destacaram por talentos e qualidades especiais, particularmente, o ativismo a capacidade de organização. c) Na Democracia de Público: Uma mudança contemporânea ocorre nesta forma de governo. Influenciados pelos meios de comunicação de massa, cada vez mais os eleitores passam a votar em uma pessoa e não em um partido. Os partidos continuam a exercer um papel fundamental, mas tendem a se tornar instrumentos a serviço de um líder. Os canais de comunicação política afetam a natureza da relação de representação: os candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores através do rádio e da televisão, dispensando intermediários. Os que possuem melhores qualidades pessoais de comunicação, os “comunicadores”, são favorecidos nesta forma de governo. A ênfase não está mais em um programa político mas nas individualidades dos candidatos. O julgamento é baseado na confiança, e determinado político é julgado mediante a análise de sua folha de serviços, não através de sua plataforma política. Os Representantes Conservam uma Independência Parcial Diante das Preferências dos Eleitores Os representantes mantêm um certo grau de independência em suas decisões, mesmo tendo sido eles escolhidos por seus governados. Durante o exercício do poder, os governantes podem enfrentar inúmeros problemas que interferem na execução de seus projetos de governo e podem impedir a concretização das promessas de campanha. O governante então dispõe de liberdade para mudar seus objetivos e políticas mediante as circunstâncias que enfrente durante seu mandato[5]. Mesmo que essas “mudanças de rumo” sejam contra a opinião da maioria da população, os dirigentes da nação irão tomar as decisões necessárias para superar alguma crise interna ou externa visando o bem-estar futuro da população. A isto subtende-se, um certo virtuosismo, nos moldes de Maquiavel, a que deve possuir um governante, prevalecendo o julgamento sereno e ponderado da coletividade. O sistema plenamente representativo, teoricamente, favorece a ascensão ao poder de pessoas mais aptas a resistir às “paixões desordenadas” e os “equívocos e ilusões efêmeros” que podem tomar conta do povo. Sendo assim, entendemos o distanciamento entre as decisões do governo e a vontade popular, o que permite ao Sistema Representativo uma relativa superioridade aos demais sistemas. Isso é defendido por Emmanuel Sieyès quando escreve aos políticos do recém formado governo francês em 1789, “os deputados não estão na Assembléia Nacional para afirmar vontades já formuladas por seus eleitores, mas para deliberar e votar livremente, de acordo com o juízo que façam no momento e esclarecidos por todas as luzes que a Assembléia possa lhes proporcionar”. Sobre este princípio a abordagem é diferente nos três modelos de governo abordados por Manin em seu ensaio: a) No Governo Parlamentar: A consciência e o julgamento pessoal são o que irão determinar a tomada de decisões para os deputados. Neste caso os representantes não são porta-vozes dos eleitores, mas seus homens de confiança. b) Na Democracia de Partido: Os representantes estão ligados à disciplina partidária e dependem do partido que os elegeu, não podendo eles deliberar livremente sobre qualquer assunto de interesse nacional sem que antes haja uma orientação partidária. O representante se vê obrigado a votar com a bancada de seu partido caso contrário pode sofrer sanções, podendo culminar com a destituição do deputado[6]. Esta é uma forma eficiente do controle dos deputados pelo seu partido. c ) Na Democracia de Público: Em um sistema dominado pelos meios de comunicação de massa, os governantes são muitos suscetíveis à opinião dos eleitores, procurando sempre passar uma imagem que melhor se enquadre no arquétipo de dirigente idealizado por eles. Sendo assim, a tomada de decisões pelos representantes também será pautada pela imagem que eles desejam passar ao eleitorado. A Opinião Pública Sobre Assuntos Políticos pode se Manifestar Independentemente do Controle do Governo Desde o princípio da formulação do Sistema Representativo, a idéia de que a representatividade permite que os governados possam formular e expressar livremente suas opiniões políticas, prevalece até então. Para que haja uma opinião consistente por parte do eleitorado é necessário que esses tenham acesso à informação política, da forma mais imparcial possível. Um fator determinante neste esclarecimento político da sociedade é tornar pública as decisões governamentais, não cabendo aos governantes decisões e acordos secretos. Um outro aspecto importante para o esclarecimento político dos governados é a liberdade de expressão de opiniões políticas. O debate de assuntos da cena política dentro da sociedade possibilita o enriquecimento das questões levantadas e um conhecimento por parte dos representantes da vontade de seus representados. Os governantes tem autonomia para deliberar e decidir indiferentemente da vontade dos governados, contudo essa ausência do direito de instrução não implica que os governantes ignorem os desejos e demandas da sociedade. Comumente chama-se de opinião pública, essa voz coletiva do povo que, sem ter valor impositivo, sempre se manifesta independentemente do controle do governo. A liberdade de opinião impede a substituição absoluta dos representados pelos representantes, mantendo permanente a possibilidade de que o povo fale por si mesmo. Este princípio é semelhante no Modelo Parlamentar de Governo e na Democracia de Público, diferenciando-se na Democracia de Partido como vemos a seguir: a) No Governo Parlamentar: As opiniões dos representantes podem diferir da dos representa- dos. Sendo que os primeiros permanecem suscetíveis à opinião dos segundos levando em conta futuros resultados eleitorais. Nos casos onde os governantes não dão vazão à opinião de uma importante parcela dos governados, vê-se a liberdade de opinião tomar iniciativas organizadas de pressão junto ao governo através de associações, manifestações, petições e campanhas de imprensa. b) Na Democracia de Partido: A opinião dos representantes está intimamente ligada à opinião dos representados. Neste modelo de governo representativo, os partidos são responsáveis pela organização da disputa eleitoral e dos modos de expressão pública. Os indivíduos da sociedade mais bem-informados e os mais interessados em política, obtém informações por intermédio da leitura de uma imprensa politicamente orientada. Sendo assim a liberdade de opinião pública se restringe aos meios de comunicação partidários ou que possuem alguma ligação com um partido. Este quadro contribui para uma estabilidade das opiniões políticas, restando à liberdade de opinião pública a liberdade de fazer oposição ao partido detentor do poder e/ou o partido majoritário. c) Na Democracia de Público: Com a crescente revolução tecnológica e a alteração periódica da economia, a imprensa de opinião entrou em declínio. A mídia impressa, televisiva e radiofônica passou a não possuir uma orientação partidária, tornando-se aparentemente neutros diante dos fatos. O resultado dessa mudança é que indiferentemente de suas orientações partidárias os indivíduos recebem as mesmas informações sobre dado assunto. O indivíduo passa a ver os partidos de modo homogeneizado e a opinião pública se torna acentuadamente mutável, podendo, independentemente das preferências políticas expressas nas eleições, assumir posições contrárias após o período eleitoral, podendo divergir de seus representantes em assuntos específicos ou em questões mais abrangentes. Os governantes passam a recorrer a pesquisas de opinião para ter uma idéia do que se passa na sociedade e passam a determinar suas estratégias políticas através destas pesquisas. As Decisões Políticas são Tomadas Após Debates É uma idéia corrente que o Governo Representativo foi originalmente concebido e justificado como um governo do debate. Porém esta expressão mostra-se um tanto vaga, pois onde se dá os debates? Eles estão em todas as etapas do processo decisório ou em apenas algumas? Quando fala-se em debate, pressupõe-se que haja mais de um ator e que os interesses em questão sejam diferenciados. Portanto é inevitável que o lugar do debate por excelência seja uma assembléia. Outro aspecto da importância de se debates para se tomar uma decisão política é que estas decisões posteriormente se tornarão leis. Ora, se a verdade deve ser a base da lei, o debate é o caminho mais adequado para determinar a verdade; portanto o órgão central de tomada de decisões deve ser um local de debates, em outras palavras uma assembléia. Em nosso mundo moderno, caracterizado pela divisão do trabalho, pelo progresso do comércio e pela diversificação de interesses, a assembléia representativa passa a ser uma representação simultânea da coletividade e diversidade da sociedade. Dentro deste contexto complexo o problema é alcançar um acordo entre os mais variados extratos sociais, não raro, os participantes deste cenário político procuram conquistar o consentimento dos outros através da persuasão. Outro fator importante que favorece o acordo e o consentimento é o interesse geral. O consentimento da maioria só ocorre na medida que os diferentes atores, mediante o debate político, chegam a um denominador comum. Quando falamos de consentimento da maioria não quer se dizer concordância universal, muito menos a expressão final da verdade, apenas que a vontade da maioria prevalece, e esta possui a força de uma verdade. Sobre este princípio, Manin em seu ensaio divide o debate parlamentar da seguinte maneira:

a) No Governo Parlamentar: O debate político para a tomada de decisões é exclusividade do parlamento, não sofrendo influências extra-parlamentares qualquer. b) Na Democracia de Público: O debate se dá em duas esferas, a esfera partidária e a esfera parlamentar. A debates dentro dos partidos e após isso debates entre os partidos no âmbito da assembléia. c) Na Democracia de Público: O debate é o mais aberto possível. Participam do debate grupos de interesses financeiros, a mídia, instituições de classes, movimentos sociais, etc. A decisão fica a cargo dos representantes dentro da Assembléia, contudo, a influência extra-parlamentar existe efetivamente.

[1] Manin, Bernard; A Metamorfose do Governo Representativo, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Assoc. Nac. de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Nº 29, Ano 10, Outubro de 1995, Pág. 5-34.

[2] A saber, O Governo Parlamentar, A Democracia de Partido e A Democracia de Público.

[3] Na democracia de partido, os partidos políticos assumiram originalmente ideologias socialistas, sendo os partidos socialistas surgidos no final do Séc. XIX um dos precursores dos partidos políticos modernos.

[4] Cerroni, Umberto; Teoria do Partido Político, São Paulo, Lech, 1982.

[5] Esta liberdade é limitada na Democracia de Partido, onde o governante está ligado diretamente ao seu partido e sua plataforma de governo, e qualquer mudança necessariamente passa por uma aprovação de uma comissão ou assembléia partidária antes de ser posta em prática. [6] Na Democracia de Partido o mandato não é do deputado mas do partido pelo qual ele se elegeu.

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