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Formação do Estado Brasileiro

Portugal, apesar de não saber aproveitar com eficiência os lucros e benefícios auferidos com a sua colonização na América, obteve mais sucesso no estabelecimento de uma colônia permanente neste continente, em comparação com a Espanha e a Inglaterra, que também empreenderam esta tarefa. Tanto que as colônias inglesas da América do Norte, apesar de se encontrarem em uma região temperada, considerada mais propícia para a permanência do homem, e serem formadas por grupos homogêneos de indivíduos anglo-saxões; permaneceu menos tempo sobre o controle da capital do que a colônia portuguesa. Os quatro vice-reinados espanhóis na América, também não tiveram o êxito português e se desmembraram em 17 países. A colonização portuguesa no entanto, que se estendia de uma região equatorial a uma temperada, e era formada por diversas capitanias-hereditárias, irá por fim se converter em uma só nação e permanecer sob o controle ou influência da coroa portuguesa pelo menos um século a mais do que as colônias britânicas na América.
Isto se deve por diversos aspectos, primeiramente os portugueses não eram um povo extremamente fechado, tanto etnicamente como culturalmente, pois o longo período que passaram sobre o domínio dos Mouros afetou as bases de sua população e sociedade. Eles também partiram para a colonização da Terra de Santa Cruz, tendo outras experiências anteriores, pois quando Portugal decide por implementar uma colonização sistemática por aqui, eles já haviam estabelecido colônias no Oriente. Mas o fator principal apontado por Gilberto Freyre em seu livro “Casa Grande e Senzala” ( 1933 ) para o sucesso colonizatório português no Brasil, diz respeito ao povoamento destas terras. Portugal não dispunha de indivíduos suficientes para povoar e trabalhar na grande extensão de sua colônia americana, os portugueses então passaram a escravizar os índios, mas seu baixo rendimento individual, levou-os a importar mão-de-obra da áfrica para suprir a demanda da produção extrativista que aqui se instalava. O encontro do indivíduo português ( branco ) com o indígena ( amarelo ) e posteriormente o africano ( negro ), acarretou em um processo de profunda miscigenação destes povos, que se não era incentivado pela coroa portuguesa, também não era coibido por esta. Esta mistura de raças e culturas, deu origem a um povo homogêneo, a uma raça mestiça que seria a base da população do Brasil moderno.
Freyre considera que a miscigenação foi benéfica para a constituição do país, acredita que a presença africana enriqueceu, fertilizou e abrilhantou a colônia, que ela serviria como um corretor social capaz de diminuir a distância entre senhores e escravos. Opinião que era revolucionária para a sua época, pois reinava até então um determinismo biológico carregado de preconceito sobre o negro e o índio, principalmente sobre o primeiro. A intelectualidade brasileira anterior a 1933 era enfática ao creditar o atraso do país à presença do povo africano, viam neste povo uma inferioridade psíquica que os levava inevitavelmente à criminalidade, à indolência, à falta de ambição, ao alcoolismo, entre outros adjetivos pejorativos. Gilberto Freyre ao opor-se a estas noções, de forma sistemática e utilizando uma metodologia que até então não havia sido empregada por aqui, se tornou uma referência na sociologia brasileira e abriu um caminho inovador para a classe intelectual do Brasil de então.

Princípio da Administração Pública no Brasil III

A Administração colonial portuguesa tinha por função regular a sociedade e organizar as esferas pública, privada, religiosa e econômica, das quais, esta última, era a que mais interessava à coroa. A tributação era a razão de ser da organização administrativa, pois a renda de Portugal não advinha dos produtos lá gerados, mas da taxação das mercadorias comercializadas entre as colônias e a matriz e entre esta e os países consumidores. Para atingir este objetivo havia uma série de tributos a serem pagos pelos residentes na colônia, estes encargos possuíam uma legislação e um corpo de executores próprios, o que lhe rendiam um caráter particular entre às demais esferas da Administração, nas quais imperava a desorganização e o descaso. Para exemplificar isso Caio Prado Jr. escreve:
“Percorra-se a legislação administrativa da colônia: encontrar-se-á um amontoado que nos parecerá inteiramente desconexo, de determinações particulares e casuísticas de regras que se acrescentam umas às outras sem obedecerem a algum plano de conjunto”. ( PRADO Jr., Caio. Formação Econômica do Brasil, pg. 309. )
E não eram apenas as leis que se misturavam, as ações das esferas local, provincial e geral – o que corresponderia, de certa forma, às instâncias municipal, estadual e nacional que temos hoje – também sofriam umas com a interferência das outras além de, na prática, ficarem se eximindo de responsabilidades. Esta confusão deixava o cidadão comum, em vários aspectos, entregue à própria sorte e sem saber a quem recorrer para sanar suas dificuldades. Esta desorganização também se refletia nos poderes do Estado, era comum que determinados cargos da administração, como o capitão-mor ( equivalente ao de governador atualmente ) acumulassem as funções executivas, legislativas e jurídicas. Essas características negativas tornavam a prática administrativa lenta e inoperante, o que era de se esperar de uma organização importada sem quaisquer modificações de Portugal, que em muitos aspectos se diferenciava das condições existentes no Brasil colonial.
Esta dificuldade de separação também existia entre o Estado e a Igreja naquela época, as necessidades espirituais e as exigências da vida civil se mesclavam ao ponto do indivíduo não fazer distinção uma da outra. Acontecimentos do cotidiano eram absorvidos pela rotina eclesiástica e em muitos assuntos eram de jurisdição privativa desta, como por exemplo, os nascimentos, união dos corpos ( casamento ), as exéquias ( falecimento ), etc.. O clero então se revestia de autoridade para ministrar não somente os sacramentos referentes à vida espiritual, mas também para impor sanções aos indivíduos nas questões de cunho ético e moral. Como se isso não bastasse o principal tributo da coroa, o dízimo, - que correspondia à décima parte do total bruto de qualquer produção – possuía uma origem eclesiástica. Era a princípio um antigo direito clerical, cedido à Ordem de Cristo nas conquistas ultramarinas portuguesas, mas que veio a se confundir com os direitos do Rei quando este se tornou Grão-Mestre da Ordem. Este título também lhe permitia a criação e provimento de bispados, ereção de igrejas, autorização para o estabelecimentos de Ordens religiosas, conventos e mosteiros na colônia, entre outros direitos. Sendo assim, o Rei que já detinha todos os poderes administrativos sobre a colônia, determinava com total liberdade sobre os assuntos religiosos desta. Como reflete Caio Prado: “A Igreja no Brasil se tornara em simples departamento da administração portuguesa, e o clero, secular ou regular, seu funcionalismo”. ( op. cit. Pg. 339 ).

Princípio da Administração Pública no Brasil II

A análise da administração portuguesa no Brasil colônia, não é um tema recente, sobre ele boa parte da intelectualidade brasileira já se debruçou, sendo assim, era de se esperar que o tema já tivesse contribuído para solucionar muitos dos problemas administrativos do Brasil atual, sendo que muitos deles ainda são resquícios das falhas existentes na gestão portuguesa da Terra de Santa Cruz.
Esses problemas ocorreram, primeiramente porque os Portugueses implantaram aqui, um regime administrativo que era uma simples cópia do existente em Portugal, não levando em conta as diferenças e peculiaridades que havia entre a colônia e a capital. O território português é diminuto, não se estendendo mais que poucas centenas de quilômetros de norte a sul e menos ainda de leste a oeste, o que teoricamente facilitaria a administração e, mesmo tendo inúmeras repartições e instâncias, o governo local poderia se valer de sua pouca extensão para tornar rápidas e eficazes suas decisões. Mas mesmo contando com esta vantagem, o sistema administrativo português era conhecido por sua morosidade e ineficácia. Se este modelo já se mostrava falho em Portugal, sua implantação aqui não teria resultado diferente. Os problemas estruturais ainda eram agravados por diversos fatores, como a falta de capacidade dos administradores. Estes eram todos vindos da capital do império, não conheciam a realidade da colônia e ao invés de estudar as particularidades daqui, se apressavam em por em prática o que constava no manual de Lisboa, como escreveu Francisco Augusto:
"Minguado de Faculdades criadoras para sacar da própria mente e da meditação fecunda as providências que as necessidades do país fossem ditando, o marquês de Aguiar parece ter começado por consultar o almanaque de Lisboa e, à vista dele, ter-se proposto a satisfazer a grande comissão que o príncipe lhe delegara, transplantando para o Brasil, com seus próprios nomes e empregados ( para não falar dos seus vícios e abusos), todas as instituições que lá havia, as quais se reduziam a muitas juntas e tribunais, que mais serviam de peia do que de auxílio à administração, sem meter em conta o muito que aumentou as despesas públicas, e obter-se visto obrigado a empregar um sem-número de nulidades, pela exigência da chusma de fidalgos que haviam emigrado da metrópole e que não recebendo dali recursos, não tinham o que comer". Francisco Augusto Varnhagem, 1854 Traziam de Portugal soluções para os problemas que aqui haviam, sem mesmo saber quais eram exatamente as dificuldades e demandas. Isto levou a uma série de ações inócuas, a ponto de a população não considerar algumas leis, gerando o costume que hoje conhecemos de “leis que pegam e leis que não pegam”. Além disso, a centralização do poder decisório na pessoa do rei e de alguns conselhos, todos eles radicados em Portugal, davam um aspecto decorativo às instituições aqui existentes. Decorre daí, um Estado preso pela burocracia, impedido de corresponder às necessidades da população e de se desenvolver. Toda esta burocratização também era uma grande fonte de custos para a Coroa, pois os cidadãos “bem nascidos” que para cá vinham fazer parte da administração, não eram muito afeitos ao trabalho, principalmente aqueles de maior esforço físico, preocupando-se mais em satisfazer seus luxos e comodidades do que sanar as dificuldades coloniais. Francisco Augusto foi objetivo e claro nas suas considerações sobre este período da história brasileira, e vale verificar que suas palavras certamente causavam questionamentos sobre a administração de sua época, e lendo-o agora, podemos refletir e constatar que de fato as dificuldades de se administrar hoje o Brasil, não são fruto do atual contexto somente, mas são também problemas históricos.

Princípio da Administração Pública no Brasil

Em sua obra “Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro”, Raymundo Faoro aborda o tema da administração colonial e faz uma análise da constituição, organização e funcionamento do Estado patrimonial no Brasil colônia, estruturado na forma de uma comunidade chamada estamento. Com o avanço do império português para o além-mar, o soberano de Portugal necessitava criar um mecanismo que lhe garantisse o recolhimento de tributos e a execução de sua vontade. Surgia então o que chamamos de estamento, que consistia em um grupo de indivíduos que assumia a direção dos negócios nas colônias e que eram fielmente submissos ao controle do Rei. Diferenciando-se dos termos burocráticos weberianos, que se caracterizava por uma pirâmide hierárquica, a organização administrativa estamental correspondia a uma grande porção de cargos reunidos sob uma coordenação centralizada.
O estamento, além disso, era uma comunidade amorfa, sem forma definida, seus integrantes não pertenciam a uma classe específica, muito menos constituíam uma classe social, dele poderiam fazer parte funcionários da coroa, cidadãos endinheirados, oficiais militares, clérigos, etc.. Estes traziam consigo a consciência de pertencerem ao mesmo grupo o qual consideravam um círculo elevado. Esta concepção os colocava “sobre a nação, acima das classes, de seus grupos e de seus interesses”, fechando-os sobre si mesmos. Os integrantes do estamento estavam alheios ao que se passava com o povo, quais eram suas demandas; os indivíduos eram amplamente tutelados pela coroa, pois eram considerados incapazes de gerar e gerenciar riquezas. O que interessava ao estamento eram os grandes projetos de exploração colonial, formulados pelo soberano em Portugal, o que os levava a um desdém pela atividade produtiva e a desprezarem até mesmo os menores problemas das capitanias e suas comarcas.
Esta corporação estamental, graças ao poder que lhe era delegado, não tardou em adquirir os gostos e costumes dos cidadãos mais nobres e fidalgos, levando a um crescimento sem medida dos gastos com comodidades e bens luxuosos, causando seu empobrecimento prematuro. Isso aliado aos inevitáveis problemas causados pela organização administrativa voltada para o estamento, viria a sufocar o desenvolvimento português tanto no Brasil colônia como também na sede do Império, em Portugal.

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