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Emancipação da América Colonial Hispânica

O processo emancipatório da América Colonial Hispânica foi marcado por um discurso libertário, que na prática visava romper com os seculares privilégios oriundos do período mercantilista, tais como: cobrança de impostos, proibição de negociar e produzir livremente e a obrigação dos navios que zarpavam do Novo Mundo com destino à Europa obrigatoriamente passarem por portos espanhóis. Tal movimento foi promovido pela chamada elite criolla, através da qual procurou-se rearticular, em novas bases, os vínculos com o mercado europeu, sem alterar a sua substância e o seu caráter de dependência. Isto ocorreu em grande parte, porque o capitalismo europeu, ingleses à frente, não tinha interesse na alteração das estruturas políticas, comerciais e de classe do Novo Mundo, de forma que pudessem atingir seus objetivos comerciais na região. O processo de independência latino-americano não representou uma ruptura no poder das oligarquias locais. Motivado por fatores internos e externos, este processo buscou romper com o domínio colonial espanhol sobre a região.
Alguns dos fatores que influenciaram as revoltas emancipatórias foram as idéias iluministas européias e a independência das colônias inglesas da América do Norte. Outros fatores foram determinantes para que o processo de independência obtivesse êxito, tais como, os conflitos decorrentes da ascensão em 1808 de Napoleão Bonaparte ao poder na França; a abdicação, forçada por ele, dos Bourbons na Espanha; a conseqüente divisão e acefalia do império espanhol. A luta emancipatória pode ser dividida em duas partes, a primeira com início em 1810 com a expulsão do Vice-Rei de Buenos Aires, o que iria irradiar a ânsia por independência por todos os lados, primeiramente no Chile e Paraguai em 1811. Porém, a pulverização dos poderes locais, a fragmentação política do continente, as rivalidades pessoais, a desunião dos exércitos rebeldes e ainda a falta de apoio da Igreja Católica e da elite criolla, determinaram o fracasso das primeiras iniciativas de emancipação, em 1815 os espanhóis já haviam reconquistado todos os territórios que haviam se rebelado. Esta reconquista refletia a restauração da dinastia dos Bourbons ao trono espanhol, na pessoa do intransigente Fernando VII, que junto com Luís XVIII na França, representou uma guinada reacionária nas perspectivas de independência da América Espanhola. Esta tentativa de restaurar a velha ordem colonial não durou muito, a truculência de Fernando VII fez com que as colônias americanas reclamassem novamente a emancipação. Apoiados pelos ingleses, Simon Bolívar no Noroeste da América do Sul e San Martín na região do Prata e vizinhanças, lideraram as revoltas que culminaram com a independência da grande maioria das colônias e em 1826, com a rendição da guarnição de Callao, praticamente encerrava-se a era colonialista ibérica no Novo Mundo.
A sustentação diplomática da emancipação foi garantida pelo apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos que, embora vivendo estágios diferentes do capitalismo, se uniram na política antimonopolista e no desejo de ampliar seus mercados. O fato mais significante na América espanhola pós-emancipatória foi a divisão do continente em vários países, a que alguns estudiosos chamaram de “balcanização”. Tal fragmentação se deu por uma correlação de fatores, os principais foram: o interesse inglês em exercer mais facilmente sua hegemonia comercial, o que seria mais facilmente atingido em um continente dividido e debilitado; inexistência de uma fração hegemônica das elites locais, o que impossibilitava a aglutinação política em um único centro de poder; a existência de divisões tribais e lingüísticas; populações rarefeitas; comunicações difíceis e falta de uma integração de mercados. Todos estes elementos contribuem para que os países que nascem do processo de independência, saiam do período colonial sem um Estado forte o suficiente para manter a ordem interna, acarretando uma progressiva militarização das instituições, a submissão das massas populares ao férreo domínio da elite criolla e a tendência à solução violenta nos impasses políticos. Neste momento, surge um movimento que se tornaria uma característica singular dos regimes políticos dos países da nova e independente América espanhola, o caudilhismo.
No vácuo de um poder político institucionalizado posterior á independência, diversos líderes locais assumiram o papel de porta-vozes das diferentes frações da classe dominante. Além disso, o caudilhismo se caracterizava pela personalização da política na figura do chefe, que com seu discurso ideológico, sua capacidade de arregimentar forças, proporcionando que seus caprichos e arbítrios se realizassem, acima das leis e instituições. Neste âmbito se reúnem o “barbarismo” e a “incapacidade política”, marcas registradas de uma elite em nome da qual foi realizada a independência e que se mantinha no poder com a conivência dos interesses do capitalismo internacional. Mesmo com deficiências e limites, a fracionada América espanhola, a partir de meados do século XIX, teve condições de evoluir rumo à institucionalização de Estados nacionais. Impulsionado mais uma vez pelos interesses capitalistas internacionais, a América Latina se modernizou no aspecto estrutural com a construção de estradas, linhas férreas, portos, usinas, etc; e no âmbito político também, com a institucionalização das tradicionais fórmulas liberais: governos presidencialistas, órgãos representativos, Constituições e partidos políticos.

A Relação entre Opinião Pública e Políticas Públicas

As Limitações do Modelo dos Efeitos Diretos
Entre Opinião Pública[1] e Políticas Públicas[2]
A concepção mais comum da relação opinião pública-políticas públicas a considera como uma relação de causa e efeito. Nesta visão, uma determinada demanda da sociedade geraria um efeito direto no governo e este procuraria então, suprir de imediato, esta lacuna em particular. Esta teoria, segundo Howlett[3] é problemática, primeiro porque não salienta o caráter disperso e efêmero da opinião pública, o que dificulta, senão inviabiliza, a formulação de uma política consistente e de ampla aprovação na sociedade. Ela também mostra sua fragilidade ao considerar o governo como uma instituição aprisionada pela vontade popular, sem margem para decidir de forma independente sobre os problemas da sociedade. Em terceiro lugar é simplista por não compreender que a construção de políticas não se dá de forma imediata, ela estará sempre sujeita ao debate interno, sendo que nas democracias o consenso é quase que inexistente, mesmo em círculos restritos como a esfera governamental. Portanto, uma decisão demanda um certo período de tempo para ser tomada, não somente pela disputa entre as diferentes formas de interpretar a realidade e solucionar seus problemas, como também por precisarem seguir um tramite pré-determinado. Por fim, a tese dos efeitos diretos e lineares entre a opinião e políticas, não leva em conta as dificuldades existentes na execução destas políticas, como por exemplo, a inevitável burocracia e eventuais problemas na sua aplicabilidade. Por se tratar de uma teoria que possui um funcionamento lógico e simples, muitos autores enveredaram pela sua defesa, mesmo aqueles que perceberam suas limitações não a descartaram, mas procuraram aprimorá-la, caso de Anthony Dows[4] que pensou em um círculo sistemático de atenção a questões na formação de decisões políticas, que continha inovações como a idéia de que a formulação de políticas públicas, leva em conta a opinião momentânea da população sobre um determinado tema, porém sua conotação emergencial desaparece à medida que fica evidente a impraticabilidade de se adotar medidas que satisfaçam a opinião volátil de cada momento. Todavia, esta tese também não preenchia todas as lacunas citadas acima e ainda enfrentava as mesmas dificuldades de comprovação empírica de sua precursora.
Todos estes problemas demonstram que a relação entre opinião pública-políticas públicas é bastante complexa, não podendo ser tratada como um modelo de causa e efeitos diretos e lineares. Todavia não podemos descartar esta ligação, tendo em vista que muitos estudos científicos “encontraram certa correspondência geral entre o comportamento dos formadores de políticas públicas e a opinião pública em certos tipos de questões”.[5] Podemos assim compreender que existe uma relação entre opinião e políticas, mas como vimos ela não é direta, de que forma então se dá esta relação? A seguir procuraremos responder esta questão.
A Influência Indireta da Opinião Pública sobre o Contexto das Ações Políticas
Partindo da constatação de que a opinião pública exerce um efeito sobre as políticas públicas, mesmo que não diretamente, Como se dá a influência da opinião popular sobre o ambiente em que são feitas as políticas? Ela ocorre de forma indireta, principalmente porque ela não seria o único fator a influenciar as ações políticas[6], estas medidas também sofreriam os efeitos de pressões de outras áreas constituintes da conjuntura de um país, como o comércio internacional, a economia interna, as imposições da própria máquina estatal, outras opiniões concorrentes dentro da sociedade, entre outras. Cada um destes setores, também possuem demandas que são consideradas pelo governo quando este identifica uma determinada demanda na estrutura da sociedade. O poder de influência da opinião pública seria diminuído, na medida que surgissem novos atores na disputa pela atenção governamental. Além disso, o contexto das ações políticas pode ser organizado de uma forma processual, e a influência da opinião popular não seria uniforme sobre as diversas etapas deste processo. Esta teoria que visa simplificar a complexidade da formação de políticas públicas através da adoção de etapas diferenciadas, é defendida por vários pensadores, dos quais podemos destacar Harold Lasswell[7], um dos primeiros a defender esta idéia. Este desmembramento em partes do processo decisório facilita a observação e permite que possamos analisar de modo mais preciso os efeitos da opinião pública sobre a formulação de políticas.
Podemos dividir este processo em pelo menos cinco etapas, sendo elas: 1ª) construção da agenda, 2ª) formulação de políticas, 3ª) tomada de decisões, 4ª) implementação de políticas e 5ª) avaliação dos resultados destas políticas. Este processo como dito acima, não sofre de maneira uniforme a influência da opinião pública, pois na medida que o tema adentra a estrutura estatal, maior competência técnica ele requer, e desta forma fica cada vez mais difícil ao cidadão comum opinar e assim interferir de maneira consciente sobre a ação a ser tomada pelo governo. Além disso, a partir do momento que o tema passa a ser debatido pelo executivo, ele se institucionaliza, e em geral os indivíduos que não pertencem a alguma esfera ou dimensão do Estado são, por lei, privados de interferirem nas políticas públicas. No período em que a pauta do governo está sendo formulada é a etapa em que se verifica maior efeito da opinião pública, não somente pelo poder de pressão dos diversos atores da sociedade, mas também porque o próprio governo se interessa em certa medida, em adotar medidas que não causem impacto negativo sobre a opinião popular. Identificada a demanda existente na sociedade, passa-se à etapa de formulação de políticas, através das quais buscar-se-á sanar a necessidade da população, neste momento a maior parte da sociedade já não participa mais do processo, somente em alguns casos ela participará, nos casos em que o governo permita esta possibilidade, e mesmo assim, somente através dos grupos organizados que tiverem alguma relação com a questão em debate. E ainda que exista esta participação, a opinião pública haverá de dividir as atenções com os demais atores da conjuntura nacional (mídia, classe política, empresários, sindicatos, etc.), que neste momento e na etapa seguinte, a da tomada de decisões, adquirem tão ou maior relevância quanto o modo de pensar da população. Nas fases da implementação e verificação de políticas, a influência da opinião pública é ainda menor, pois nestas etapas o trabalho é exercido, quase que exclusivamente por agentes estatais, sobre os quais não pesa o poder da vontade popular, mas sim os ditames das normas da hierarquia governamental.
A Relação Dialética Entre a Opinião Pública e as Políticas Públicas
Como vimos, a opinião pública exerce um efeito, mesmo que indireto, sobre o processo de formulação de políticas públicas, entretanto esta não é uma via de “mão-única”, em que a opinião leva necessariamente a uma política, ela é de via “mão-dupla”, pois as políticas implementadas pelo governo também geram um impacto na opinião pública. Desta forma esta não seria apenas uma variável independente e o governo não seria apenas um reagente passivo desta, mas a opinião popular seria também dependente das ações implementadas pelo governo e este, nas palavras de Howlett, “teriam um papel ativo na conformação da opinião pública ( p. 187 )”. O governo em muitos casos teria interesse em, não somente identificar as demandas da população e quais seriam suas opiniões, mas também se interessaria em ele próprio influenciar a opinião pública através de suas ações, buscando desta forma angariar o apoio da população, para isto o governo utiliza diversos métodos. Emprega ferramentas tradicionais como os subsídios e incentivos e cada vez com maior freqüência, usa instrumentos novos e diferentes, como parcerias entre governo e ONGs, comissões assessoras públicas, apoio a grupos de interesse, disseminação de informações visando de maneira indireta orientar os setores da sociedade para a direção almejada pelo governo, criação de instituições, avaliações formais e audiências públicas. Além destes exemplos, o autor ainda identifica outras formas “menos ortodoxas” do governo influenciar o público, como ‘tratados’ e ‘acordos políticos’, casos que a ação governamental flerta com o imoral e o ilícito. A opinião pública, vista aqui como o conjunto das várias opiniões dos diversos grupos e entes da sociedade engloba todas as demais etapas do processo de formulação das políticas públicas. De acordo com as etapas propostas por Lasswell, na medida que saímos da construção da agenda para a verificação dos resultados, a influência da opinião pública sobre estas etapas diminui. Mas segundo a teoria dialética da opinião-políticas proposta por Howlett, as etapas finais do processo, implementação e verificação das políticas públicas, geram um efeito sobre o pensamento popular. A sociedade em certa medida, sempre quer saber o que o Estado e seus agentes estão fazendo. A relação opinião pública-políticas públicas possui um efeito mútuo, oscilando quase sempre dentro da normalidade, com público e governo se alternando em influências sutis. Para que tal equação funcione é necessário que os governantes prestem contas de suas ações à sociedade e que esta seja atuante na fiscalização da ação estatal, sem isso, a influência se dará mais em virtude da propaganda do que em razão ações concretas.
[1] Quando no texto utilizarmos o termo Opinião Pública, estaremos nos referindo a um conjunto de opiniões, de mesmo sentido e intensidade, existente dentro da sociedade. Em todos os casos ela indicará a intenção de um grupo da sociedade e nos casos mais abrangentes da maioria desta, não de sua totalidade, tendo em vista que a opinião é atomizada e extremamente diversificada não poderemos falar de uma opinião homogênea a toda a sociedade. [2] Por Políticas Públicas entenderemos medidas governamentais que extrapolem o universo estatal e tenham impacto sobre a sociedade. [3] HOWLETT, Michael. A Dialética da Opinião Pública: efeitos recíprocos da política pública e da opinião pública em sociedades contemporâneas, Opinião Pública, Vol. VI, nº 2, CESOP/UNICAMP, Campinas, SP, 2000, pp. 171-190. [4] DOWS, Anthony. Up and Down with Ecology – the ‘Issue-Attention Cycle’, The Public Interest, 1972, pp. 38-50. [5] HOWLET, Michael, op cit. [6] Empregamos o termo “ações políticas” com o sentido de elaboração de políticas públicas. [7] Teórico da Universidade de Chicago, autor de The Decision Process: Seven Categories of Functional Analysis e A Pre-View of Policy Sciences, entre outras obras.

A Questão Democrática Ante o Processo de Globalização

A queda do muro de Berlim em 1989 foi um marco para a humanidade, naquele momento estavam ruindo as estruturas do chamado bloco soviético, que englobava as nações do pacto de Varsóvia (URSS e países do leste europeu), Estados adeptos da ideologia socialista. Criou-se nos primeiros anos após este fato um otimismo universal que apontava para a confirmação histórica da tese liberal, de que haveria uma associação necessária entre as economias de mercado e os regimes políticos liberais (democracias capitalistas).
Esta idéia se baseia nos seguintes fatos conjunturais: a) o processo de globalização, no plano econômico; b) a hegemonia do liberalismo econômico, no plano ideológico; c) a expansão geométrica do número de democracias, no plano político; d) a longa reorganização da supremacia mundial norte-americana, no plano geopolítico. Com isto acreditou-se que o paradigma individualista empresarial voltado para a economia de mercado teria obtido a vitória absoluta, mas a realidade global mostra que este modelo também possui problemas, que são potencializados com o desaparecimento da outra alternativa, representada pelo outro pólo ideológico da modernização, o socialismo. Este questionamento é levantado por Kurz:
“O modo de viver Capitalista é demasiado unilateral, o mercado é demasiado desintegrador, e a ideologia ocidental é demasiado débil, para que esse sistema pudesse sobreviver sem a existência de um pólo oposto”[1].
Sendo que o capitalismo e o socialismo não são alternativas que se excluem mutuamente, mas constituem os dois pólos de um mesmo “campo” histórico da modernidade. E a partir do momento que um destes pólos se desintegrou, o outro não se fortaleceu como se imaginou a princípio, mas identificou-se uma tendência de estagnação e retrocesso no processo de democratização dos países recém saídos de regimes autoritários ditatoriais, caso de estados da Ásia central, Oriente Médio, Bálcãs e numa parte expressiva da Europa Oriental. Esta crise profunda e geral dos sistemas democráticos seria mais simples se se restringisse apenas ao caso das “ democracias emergentes ”, mas também nas democracias “ maduras ” cresce a cada dia a certeza de que esta crise está em curso, pessoas como Jean-Marie Guéhenno e Cristopher Lash, sustentam a tese de que a era global das redes transnacionais transformou a nação e a política em formas anacrônicas de sociabilidade e solidariedade, destruindo as bases sociais e culturais em que se sustentaram as democracias liberais.
A razão da aparente insolvência dos Estados democráticos não parece estar somente no desaparecimento de um pólo oposto ao sistema de economia de mercado protagonizado pelas democracias capitalistas. A globalização financeira em curso no mundo, também mostra-se como uma causadora da dificuldade de consolidação democrática, de governabilidade e legitimidade dentro das nações que se alinharam com a cartilha do Consenso de Washington, que consiste basicamente no pagamento da dívida externa, equilíbrio das contas públicas, estabilidade monetária e privatizações.
“No caso dos ‘ países em desenvolvimento ’e em particular no caso dos que adotaram (como na América Latina) a estratégia liberal preconizada pelo Consenso de Washington só lhes vai restando a postura passiva de manutenção cada vez mais difícil de equilíbrios macroeconômicos capazes de seduzir os investidores internacionais (...) um ambiente onde sejam reduzidas ao mínimo as incertezas e a possibilidade de mudança nas regras e instituições econômicas”[2].
Acaba se estabelecendo desta forma um predomínio socialmente real da economia de mercado sobre o pólo estatal-político. As nações se vêem diante de um dilema : fomentar o sistema de mercado ou restringi-lo? O Estado desta forma entra em contradição consigo mesmo, na medida em que os seus ordenamentos, por um lado, não tem outra finalidade senão fomentar o sistema de mercado da produção de mercadorias no seu território e mantê-lo em funcionamento. Por outro lado, o Estado precisa “retirar” o dinheiro necessário para o financiamento precisamente dessas atividades do processo do mercado, restringindo, assim, a economia de mercado e agindo, por conseguinte, contra sua própria finalidade, precisamente para cumpri-la.[3] Sabemos que o Estado não é autônomo diante do mercado bem como a política não é autônoma em relação à economia, mas priorizar a área financeira em detrimento dos demais setores, principalmente os sociais e de infra-estrutura, tem levado ao crescimento do desemprego e do número de excluídos, bem como ao agravamento da má distribuição de renda, ratificando o que Marx antevia quando dizia que a burguesia produz, acima de tudo, a sua própria cova[4]. Sobre isso, Fiori ainda afirma:
“Os estados tornam-se endividados e prisioneiros dos ‘equilíbrios macroeconômicos’ perdem também a capacidade de financiar as demais políticas setoriais e em particular, as políticas de natureza social, num momento em que seu crescimento econômico é reduzido e já não assegura a expansão do emprego, o que só agrava a herança de enorme desigualdade social em países como o Brasil”[5]
Este quadro não é exclusividade do Brasil, ele se generaliza ao redor da América Latina. A busca da estabilidade econômica que possa ser atraente para investidores, enfrenta em muitos casos um problema de credibilidade relacionado ao que as agências de consultoria internacionais classificam de “risco país ”, que pode ser maior ou menor segundo uma avaliação neoliberal da conjuntura do Estado. Os países se tornam reféns dos efeitos colaterais das políticas econômicas que são, de certa forma, coagidos a empregar. A falta de competitividade, a grave ausência de investimentos, polarização social, crise de legitimidade, promoção da apatia cidadã, esvaziamento das militâncias partidárias, substituição dos partidos políticos pela mídia e um crescente esvaziamento das instituições representativas[6], são alguns dos aspectos negativos desta política ditada pela economia de mercado.
Isto se reflete em economias como a do Brasil, porque as reformas neoliberais prescindiram de uma verdadeira “reforma política”, ou melhor: as reformas econômicas tiveram como pré-condição o arranjo autoritário da “distribuição de poderes” e ausência de responsabilidade dos governantes. Daí que sua implementação não combinou com as exigências de ampliação da cidadania e controle social sobre o Estado, suas burocracias e seus aparelhos de poder[7]. [1] KURZ, Robert., “A Falta de Autonomia do Estado e os limites da Política: quatro teses sobre a crise da regulação política”, IN: KURZ, R., Os últimos combates, ed. Vozes, RJ, 1997, pg. 91 – 115. [2] FIORI, J. L., “Globalização e Democracia”, IN: FIORI, J. L., Os moedeiros Falsos, ed. Vozes, RJ, 1977, pg.222-223. [3] KURZ, Robert, op. cit., pg. 103-104. [4] MARX, Karl, “Burgueses e Proletários”, IN: MARX, Karl, O Manifesto Comunista, ed. Paz e Terra, SP, 2002, pg. 28. [5] FIORI, J.L., op. cit., pg. 223. [6] FIORI, J.L., op. cit., pg. 226-227. [7] CODATO, A. N., “ O Brasil em perspectiva: a questão democrática no governo FHC ”, pg. 06.

Aspectos da Visão de Maquiavel do Governante

O secretário florentino, funcionário público e exímio observador da classe governante possuía uma visão ímpar da política de sua época[1]. Preocupado com a questão de como se chegar ao poder e sobretudo como mantê-lo, Maquiavel escreve “ O Príncipe ”. Pragmático, ele em sua obra vai dar muita importância à aplicação e à prática da política, dando ênfase à técnica e distanciando-se da ética.
A justiça e a moralidade para um governante, segundo Maquiavel, são relativas às situações em que ele se encontrar, ora ele pode magnânimo, ora cruel, em um momento ser justo em outro agir com leviandade, atitudes que têm como objetivo garantir o poder que pode ter sido adquirido pela sorte, pelas armas próprias ou alheias e ainda pelo favor de seus concidadãos. Sobre este último caso Maquiavel escreve:
“ Para atingir tal posição, o cidadão não dependerá interinamente do valor ou da sorte, mas da astúcia afortunada” [2]. E em relação ao governo dos príncipes:
“ É necessário, que o príncipe que deseja manter-se, aprenda a agir sem bondade, faculdade que usará ou não, em cada caso, conforme seja necessário” [3].
Maquiavel propõe uma análise contextual antes de se tomar decisões, e através delas o príncipe pode agir com liberdade moral diante de cada tipo de necessidade. Em relação à justiça especificadamente Maquiavel parece sugerir uma maior retidão e coerência ao governante no que diz respeito ao povo. Ele na maioria dos casos, senão todos, necessita de apoio popular para assegurar-se no poder e a população possui um desejo maior do que outros, o de não ser oprimida em demasia. O príncipe necessita de bom senso no momento de julgar de modo que não caia em desgraça popular, pois segundo Maquiavel este apoio é importante por ser mais leal do que o dos nobres, então ele sugere:
“ É muito útil também para o príncipe dar algum exemplo notável de sua grandeza no campo da administração interna ( ... ) . Quando acontece que algum cidadão fez algo extraordinário na vida política – algo de bom ou de mal – é preciso achar um meio de recompensa ou punição que seja amplamente comentado. Acima de tudo, um príncipe deve procurar, em todas as suas ações, conquistar fama de grandeza e excelência” [4].
O pensador florentino, no que tange a esfera da governabilidade é teórico da abordagem factual das situações, não dando tanta importância ao aspecto moral, tanto que propõe uma espécie de “ astúcia afortunada ” e uma forma de justiça que satisfaça mais a opinião do povo do que as convicções do próprio governante. A relação do governante com seus aliados e inimigos têm íntima relação com a forma com que ele chegou ao poder. É na trajetória de ascensão à posição de soberano que o príncipe negocia auxílios alheios, exercita sua influência e carisma, bem como também sua força. Neste percurso então é que ele angaria afetos e desafetos de acordo com a necessidade.
Maquiavel é bastante realista sobre este tema, várias vezes evocando a História para dela tirar lições e a que mais fica evidente é que, a relação de amizade e inimizade de um governante é dinâmica e mutável. O inimigo do passado pode se tornar aliado no presente, o aliado do momento pode vir a se tornar seu inimigo no futuro, isto decorre da necessidade do príncipe alcançar e manter o poder. Para Maquiavel este relacionamento baseia-se basicamente nos interesses do príncipe e nas circunstâncias do momento.
Em “ O Príncipe ”, Maquiavel, deixa claro a necessidade de armas para se chegar e exercer algum domínio e de como a relação com aliados e inimigos estarão sempre permeadas por elas. Dependendo do poderio de um príncipe um vizinho ou governo inimigo pode titubear em fazer uma agressão a ele, seus aliados , auxiliares e povo também podem ter esta posição por temerem sua força. Percebe-se que Maquiavel sugere que o maior aliado de um governante são as suas armas e o seu pior inimigo é aquele que possui tão ou maior força coatora.
Ele ainda cita, o risco que é possuir aliados tão fortes quanto o próprio governante, particularmente no caso dos nobres, pois eles em determinados momentos podem fazer alianças, sem o conhecimento do príncipe, com seus inimigos com o objetivo de usurpar-lhe o poder. Enfim, Maquiavel enumera de maneira geral a prudência, a astúcia e a imposição da autoridade pelas armas entre outras, como os cuidados que um príncipe deve ter nos relacionamentos com os inimigos, como também, com os seus aliados.
[1] Nicolau Maquiavel nasceu em Florença no ano de 1469 e lá viveu até sua morte em 21 de junho de 1527. [2] MAQUIAVEL,Nicolau, O Príncipe, trad.: Pietro Nasseti, ed. Martin Claret, S. P. , 2002, pág. 68. [3] MAQUIAVEL, Nicolau, op. cit., pág. 93. [4] MAQUIAVEL, Nicolau, op. cit., pág. 125.

O Estado de Bem-Estar Social, o Neoliberal e o de Terceira Via

RESUMO Desde a baixa antiguidade, quando surgiam as primeiras nações, a humanidade já se deparava com a necessidade de uma ordenação mínima, um conjunto de normas que atendesse às expectativas de manutenção da ordem e da conquista do progresso. E em uma época em que boa parte do globo ainda se organizava através de sistemas de hierarquia tribal ou outros comumente primitivos, os gregos foram os primeiros a experimentar um processo decisório amplo, uma forma de governo de muitos, chamado de Democracia. Mas este regime não suportou ao avanço de outras culturas menos pacíficas e mais conquistadoras, e foi suplantado. E, salvo por alguns casos específicos e não tão intensos, o mundo não veria os ideais democráticos serem utilizados, por mais de um milênio e meio. Somente com o fim da Idade Média e o início do Renascimento é que estes preceitos voltaram à tona, como uma forte oposição ao absolutismo dominante. Na trajetória de derrocada da hegemonia absolutista, muitas concepções de governo surgiram, e grande parte delas se baseava na democracia, mas que diferentemente da praticada pelos gregos, de forma direta, os novos regimes adotaram formas indiretas de representação. Esta mudança abriu espaço para novas teorias de Estado, diferentes propostas de organização pública, sempre levando em conta a participação da sociedade, seja de um modo restrito ou mais abrangente. Mas, apesar destes novos regimes possuírem um porto de partida comum, eles careciam de diferenciação, pois efetivamente apresentavam distinções do ponto de vista ideológico, organizacional e social.
A primeira polarização desta ordem da era moderna, verifica-se no parlamento francês posterior à revolução de 1789, onde os representantes do governo e da oposição se separavam literalmente em termos de direita e esquerda. Estando os defensores da situação à direita e seus oposicionistas à esquerda. Surgia ali o binômio que iria nortear a ciência política até os dias de hoje, adquirindo a direita uma ligação com as convicções das classes sociais dominantes e reacionárias, enquanto a esquerda se caracterizava pela mudança do poder estabelecido e a identificação com as classes menos abastadas. Teorias que além de se polarizarem, ramificaram-se, dando origem a uma panacéia de termos, o que viria a dificultar a identificação das posições políticas dos partidos e indivíduos. Ao contrário do que ocorria na passagem do século dezoito para o décimo nono onde os partidos se diferenciavam claramente, no século vinte esta análise se tornava mais complexa. Por que na medida que os governos foram se sucedendo e as ideologias foram se alternando no poder, foi ocorrendo uma seleção natural do que havia de positivo, de virtuoso e de prático em cada uma delas. Alguns partidos então passaram a abandonar velhas bandeiras e a assimilarem novas, em muitos casos, idéias que haviam sido formuladas em meios contrários às suas convicções originais. E não eram conceitos que se sobrepunham, mas sim que se conciliavam, criando novas bases para orientarem as concepções e ações das pessoas e suas associações. Isto somente foi possível em um ambiente democrático, em que a pluralidade é um fundamento e o aperfeiçoamento uma necessidade, em governos totalitários e autoritários, ou em qualquer outro que cerceie a liberdade de oposição, estas transformações não ocorreriam. As teorias contemporâneas não iriam se referir à condição ou ao modelo de estado, mas sim, sobre a sua forma de atuação em relação à organização do capitalismo, ao Estado de Direito e ao Estado Social.
Durante o último século estas mudanças ficaram evidentes, as ideologias dominantes não mais se caracterizavam como formas ideais puras, como o liberalismo e o socialismo, identificavam-se a princípio com elas, mas na realidade se tratava de releituras, uma nova forma de utilizar conceitos antigos. Isto ocorreu em grande parte pela imposição dos fatos, as teorias tradicionais não haviam evitado que grandes desastres históricos se concretizassem, como a I Grande Guerra e a Crise Financeira de 1929. Durante a década de 1930 a economia e o cenário político internacional se desestabilizaram, com conseqüências dramáticas para a maioria das nações do globo. Mesmo países mais desenvolvidos como Estados Unidos e boa parte das nações da Europa Ocidental, apresentavam altos índices de desemprego e estagnação econômica. Neste cenário caótico, ideologias totalitárias como o comunismo, o fascismo e o nazismo se desenvolveram ou se consolidaram. Nos países onde a democracia triunfava sobre os radicalismos políticos, uma nova tese se firmava, o Estado de Bem-estar Social. Ele se forma através da organização dos trabalhadores, que se associavam para enfrentar os efeitos da crise da sociedade de “livre-mercado”, e da incorporação destes setores organizados do proletariado pelos partidos social-democratas. Suas propostas visavam diminuir o impacto dos problemas macroeconômicos sobre os setores menos favorecidos da sociedade, entre outras coisas propunham uma maior atuação do Estado na economia, aumento do aparato estatal, ampliação das garantias sociais, consentimento com um déficit público relevante e fortalecimento das forças armadas. Com o Estado de Bem-estar o poder econômico se diferenciava do poder político, este último era até então monopólio dos detentores de capital, mas que passava a contar com a progressiva participação de representantes da classe média, dos operários e de outras classes que anteriormente não possuíam expressão política.
O principal teórico desta corrente foi John M. Keynes, que concebia um Estado interventor nos processos de produção e na economia e também superdimensionado. O país em que esta política obteve maior sucesso foi o Estados Unidos, lá o Welfare State contou com a implantação de um plano nacional chamado “New Deal” ( nova distribuição), concebido durante a presidência de Franklin D. Roosevelt e que trouxe evidentes benefícios para aquele país, como poder ser constatado pelo grande aumento e enriquecimento da classe média. Boa parte das nações democráticas sofreu influência ou adotou oficialmente o Estado de Bem-estar Social, isto principalmente nas duas décadas seguintes ao término da II Grande Guerra. Pois muitos países precisaram se reestruturar dos danos sofridos durante os anos de conflito, e viam nas políticas de bem-estar uma solução para os seus problemas sociais e econômicos. Esta decisão surtiu efeito, as sociedades se reorganizaram, as economias se fortaleceram e o mundo experimentou um período de grande prosperidade, mas ao passo que as motivações do Welfare State diminuíam, suas fragilidades e limitações apareciam. Os Estados haviam inchado demais, as dívidas, interna nos países ricos e a externa nos pobres, crescera substancialmente, os governos se transformaram em imensas corporações burocráticas, e a economia mundial entrava em uma espiral recessiva. Este cenário, foi agravado com a crise do petróleo no início da década de 1970. Como o Estado de Bem-estar Social havia surgido como uma resposta às conseqüências negativas das políticas liberais que dominaram na segunda metade do século XIX, tomava força naquele momento uma nova teoria que se opunha fortemente às concepções social-democratas de bem estar social. Formulada por intelectuais como Milton Friedman e Friedrich Von Hayek, esta nova forma de Estado sofre influência do liberalismo clássico, tanto que será chamada de Neoliberalismo. O estado neoliberal não busca intervir na economia, sua postura é mais regulatória e fiscalizadora, é adotada medidas que visam facilitar as transações comerciais e de capitais, como a diminuição da burocracia e o corte de imposto sobre grandes fortunas. Sua meta central é a estabilidade monetária e o controle da inflação. Boa parte do aparato estatal passa para o controle da iniciativa privada, inclusive muitos dos serviços sociais e de seguridade. Alteram a legislação flexibilizando o modo de trabalho diminuindo a força política dos sindicatos. Os neoliberais admitem uma “taxa natural” de desemprego e acreditam que a livre competição do mercado é suficiente para regular a economia. Estas práticas começaram a ser empregadas sistematicamente no governo de Augusto Pinochet no Chile, ainda no final da década de 1970, consolidando-se no decênio seguinte quando países como a Inglaterra de Margareth Tacher e os Estados Unidos de Ronald Regan assumiram oficialmente a política neoliberal. Por ser uma doutrina de caráter capitalista, o neoliberalismo se beneficiou com a Glasnost e a Perestroika de Mikhail Gorbatchov na U.R.S.S., a queda do muro de Berlin e a dissolução dos regimes comunistas do leste europeu, e adquiriu uma condição de hegemonia mundial durante a década de 1990. Ainda nesta época a teoria da “nova direita” começou a apresentar sinais de fragilidade, sucessivas crises econômicas abalaram as nações “recém neoliberalizadas”, como Rússia, México, Brasil e com maiores conseqüências na Turquia e na Argentina. Neste período também aumentava a desigualdade entre as nações ricas e o países subdesenvolvidos, e a solidez dos mercados de capitais era questionada principalmente após a perda de bilhões de dólares com a queda das ações de empresas de tecnologia, no episódio que ficou conhecido como a “bolha da Internet”. E da mesma forma como o Neoliberalismo surgiu com a decadência do modelo de Bem-estar Social, um novo regime se forja em cima de cada insucesso da política neoliberal.
Ele ainda não pode ser considerado um tipo acabado de forma de governo, sua conceituação está em pleno desenvolvimento e ainda falta um longo caminho para que ele alcance o status hegemônico de outras teorias do Estado. Todavia esta corrente de pensamento vem sendo chamada de “terceira via” ou “nova esquerda”, e já conta com defensores ao redor do mundo, como nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo com sua teorização em progresso, podemos elencar alguns elementos que lhe são próprios, como a modernização das propostas tradicionais de justiça social, um papel complementar do Estado na forma de um estatismo estratégico, parcerias público-privadas, maior participação da sociedade civil em áreas de tradicional atuação do Estado, fortalecimento do terceiro setor, responsabilidade fiscal e combate aos monopólios e oligopólios da economia e da política. Em termos ideológicos, este novo regime não pode ser considerado de esquerda e nem de direita, ele se enquadraria de maneira mais correta como sendo de centro ou no máximo de centro-esquerda. Isto porque, a “terceira via” apresenta elementos dos dois pólos teóricos, e no âmbito do processo decisório democrático, sua ação política não é de um radicalismo liberal ou social, mas sim de centralismo conciliador, que prima pelo debate e defende reiteradamente a Democracia e seus princípios. E no atual contexto da sociedade de informação, das mega-corporações, do fanatismo religioso, de acentuada desigualdade, de mudanças de valores e de relações cada vez mais complexas, estas características podem ser bastante úteis na manutenção da ordem e da paz global.