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O Brasil e o MERCOSUL

Para um país que deseja sobreviver em um contexto de mundo globalizado, é imprescindível o estabelecimento de acordos com outros países, que facilitem o comércio, promovam o desenvolvimento cultural e social dessas nações e aproximem uns dos outros. A idéia é simples, um país isoladamente perde força nas negociações internacionais, pois geralmente uma nação que opta pelo isolamento adota uma política externa protecionista que a afasta dos demais. Diante de países economicamente mais pujantes e de instituições financeiras internacionais (FMI, BIRD), nas discussões travadas em órgãos como OMC e ONU, nações que agem isoladamente tendem a enfrentar dificuldades, e também podem ser prejudicadas no âmbito econômico e político. A saída encontrada é a reunião de países, sendo eles vizinhos ou não, em associações que visam promover o comércio, o trânsito de pessoas, a troca de informações e integração cultural. Surgem então os chamados blocos, como por exemplo a União Européia, o NAFTA e o Mercosul. Este último reunindo o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai como os membros originais. O Mercosul evoluiu a partir de um processo de aproximação econômica entre Brasil e Argentina, iniciado em meados dos anos 80. Em 1985, os presidentes destes dois países firmaram um acordo de integração, conhecido como “ Declaração de Iguaçu ”. Em 1986, assinou-se a Ata para a integração Argentino - Brasileira, ocasião em que foi instituído o Programa de Integração e Cooperação Econômica ( PICE ), entre os dois países; a Ata baseia-se nos princípios que mais tarde nortearam o Tratado de Assunção: flexibilidade, que permitiria ajustes no ritmo e objetivos , sendo gradual e simétrica ( para que houvesse harmonização de políticas específicas que interferem na competitividade setorial ) e equilíbrio dinâmico ( que visa proporcionar uma integração setorial uniforme ). Em 1988, assinou-se o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Argentina – Brasil. Na oportunidade foram assinados protocolos ( no total de 24 ) sobre diversos temas, tais como: bens de capital, trigo, produtos alimentícios industrializados, setor automotivo, cooperação nuclear, transporte marítimo, transporte terrestre, entre outros. Em julho de 1990, foi firmada a Ata de Buenos Aires, que fixou para janeiro de 1995 a data do início da vigência de um mercado comum entre os dois países. Em dezembro de 1990, os protocolos acima referidos foram consolidados em um só instrumento denominado “Acordo de Complementação Econômica ( ACE – 14 ) ”, firmado entre Brasil e Argentina, que constituiu o referencial adotado posteriormente no Tratado de Assunção. No dia 26 de março de 1991, foi firmado o Tratado de Assunção entre, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai para a constituição do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL. Ele é um processo de integração econômica entre estes quatro países, cujo objetivo é a formação de um mercado comum, por meio de: livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos; eliminação das restrições incidentes sobre o comércio recíproco; estabelecimento de uma tarifa externa comum; adoção de políticas comerciais comuns face à terceiros países; coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais. TRATADO DE ASSUNÇÃO E SEUS PROTOCOLOS Com a assinatura deste Tratado, iniciou-se o “ período de transição ” do MERCOSUL que se estendeu de março de 1991 a dezembro de 1994. Esse período foi caracterizado por dois elementos básicos: desenvolvimento de um Programa de Liberalização Comercial, constituído por reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas e pela negociação de políticas comerciais comuns. No Brasil o Tratado de Assunção foi ratificado pelo Congresso por meio do Decreto Legislativo nº 197, de 25.09.91 e promulgado pelo Decreto nº 350, de 21.11.91. Esse tratado foi acrescentado por Protocolos Adicionais, como o Protocolo de Brasília, que trata do mecanismo de Solução de Controvérsias, assinado em 17.12.91 ( Decreto 922, de 10.09.93 ), e Protocolo de Ouro Preto, sobre a estrutura institucional do MERCOSUL, assinado em 17.12.94 ( Decreto 1.902 de 09.05.96 ). Esse protocolo dotou também o Bloco de Personalidade Jurídica de Direito Internacional, possibilitando a sua relação com outros países, blocos econômicos e organismos internacionais. Quanto à sua estrutura orgânica, o MERCOSUL conta com os seguintes órgãos: 1) Conselho de Mercado Comum[1] – CMC, órgão superior responsável pela condução política do processo de integração e tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos no Tratado de Assunção; é constituído pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros de Economia ou seus equivalentes nos Estados - Membros. A presidência do conselho é rotativa, em ordem alfabética, pelo período de seis meses. Pode reunir-se quantas vezes acredite ser oportuno, mas deve fazê-lo, pelo menos uma vez por semestre, com a participação dos Estados – Membros. O CMC tem as seguintes atribuições: - Velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de sue Protocolos e dos acordos firmados em sue âmbito; - Formular políticas e promover ações necessárias à conformação do bloco; - Exercer a titularidade da personalidade jurídica do MERCOSUL; - Negociar e firmar acordos com terceiros países, em nome do MERCOSUL; - Manifestar-se sobre as propostas encaminhadas pelo GMC; - Adotar decisões em matéria financeira e orçamentária. 2) Grupo Mercado Comum[2] – GMC, órgão executivo que toma as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho e fixa programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum. É integrado por quatro membros por país. O GMC tem as seguintes atribuições: - Velar, nos limites de sua competência, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e Acordos firmados no seu âmbito; - Propor projetos de Decisão ao Conselho e tomar as medidas necessárias ao cumprimento dessas decisões; - Fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum; - Criar, modificar ou extinguir órgãos, tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas; - Negociar, por delegação de Conselho e com base em mandatos específicos, acordos em nome do MERCOSUL com terceiros países, grupos de países ou organismos internacionais; - Aprovar o orçamento e a prestação de contas anual, apresentados pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL; - Eleger o Diretor e supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do MERCOSUL. 3) Comissão de Comércio do MERCOSUL – CCM, órgão encarregado de assistir o GMC, tendo dentre suas competências a de velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum pelos Países – Partes para o funcionamento da União Aduaneira, bem como de acompanhar e revisar assuntos relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra – MERCOSUL e com terceiros países. É integrada por quatro membros por país, coordenada pelos Ministérios de Relações Exteriores. Deve reunir-se uma vez por mês ou sempre que solicitado pelo GMC. A Comissão de Comércio do MERCOSUL, possui as seguintes atribuições: - Velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra – MERCOSUL e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio; - Pronunciar-se sobre as solicitações, apresentadas pelos Estados – Membros, relacionadas à aplicação da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; - Analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular propostas a respeito; - Propor a revisão das alíquotas de itens específicos da tarifa externa comum; - Estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar sua atividades. 4) Comissão Parlamentar Conjunta, órgão representativo dos Parlamentos dos Estados – Membros, incumbido, inclusive, de acelerar os procedimentos internos nos Estados – Membros, para a pronta entrega em vigor das normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL; Também poderá atuar na harmonização das legislações, como conseqüência do avanço do processo de integração. 5) Foro Consultivo Econômico – Social, representa os setores econômicos e sociais tem caráter consultivo. 6) Secretaria Administrativa, visa o apoio operacional, com sede em Montevidéu – Uruguai. É o órgão responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do MERCOSUL. Tem como atribuições: - Servir como arquivo oficial da documentação do MERCOSUL; - Editar o boletim oficial do MERCOSUL; - Organizar os aspectos logísticos das reuniões do CMC, do GMC e da CCM; - Desempenhar as tarefas solicitadas pelo CMC, pelo GMC e pela CCM; - Registrar as listas nacionais de árbitros e especialistas, bem como desempenhar outras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília. Regime de Adequação Final à União Aduaneira Foi um regime onde houve uma exclusão transitória de alguns produtos da área de Livre Comércio. Portanto, foi um sistema voltado para o mercado intrabloco. Os setores produtivos de cada um dos quatro países, com maiores problemas de competitividade, utilizavam-se desse regime e foram beneficiados com um prazo adicional para adaptarem-se ao livre comércio. Foi um regime estabelecido a partir de 01/01/95. No Brasil e na Argentina, este regime vigorou até 31.12.98, e no Paraguai e Uruguai até 31.12.99. Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM Com base no Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, os Estados – Partes elaboraram uma nomenclatura de 8 dígitos, denominada nomenclatura Comum do MERCOSUL, a qual constituiu o alicerce da Tarifa Externa Comum. Tarifa Externa Comum – TEC e as Listas de Exceções A partir de janeiro de 1995, foi estabelecida a União Aduaneira que implicou na adoção de uma Tarifa Externa Comum. A TEC correlaciona os itens da Nomenclatura Comum do MERCOSUL – NCM com os direitos de incidentes sobre cada um desses itens, e se aplica somente às importações provenientes dos países membros. Cada Estado – Membro elaborou uma Lista de Exceções à TEC, composta de produtos do setor de bens de capital, informática e telecomunicações e outras exceções nacionais ( produto cuja incorporação imediata à TEC causaria problemas a determinado Membro do bloco ). Cada país poderia incluir, no máximo, em suas respectivas listas, até 300 itens, com exceção do Paraguai que poderia incluir até 399 produtos. Todos esse itens tarifários deverão convergir aos níveis da TEC em 2001, exceto os bens de informática e telecomunicações, bem como as demais exceções do Paraguai que só convergirão à TEC em 2006.
[1] No âmbito do MERCOSUL, foram criadas as Reuniões de Ministros da Economia, da Educação, do Trabalho, da Agricultura, do Cultura, da Saúde, da Indústria e presidentes dos Bancos Centrais. [2] No âmbito do GMC, foram criados o Comitê de Cooperação Técnica; Grupos de Trabalho; Grupos Ad-Hoc; bem como reuniões especializadas de Ciência e Tecnologia, Turismo e Comunicação Social.

A Imunidade Parlamentar

A Roma antiga é uma das civilizações cujo legado mais contribuiu para a história da humanidade, uma de suas principais contribuições foi seu sistema jurídico, avançado para a época e que influenciaria todos os sistemas jurídicos da Europa continental. Deste período data a origem da palavra imunidade, no latin immunitate, que significa a condição de não ser sujeito a algum ônus ou encargo, isenção; seu sentido jurídico refere-se a direitos, privilégios ou vantagens pessoais de que alguém desfruta por ocasião do cargo ou função que exerce. Porém é sua conotação política que será abordada aqui, ou seja, a imunidade Parlamentar. Ela é um dispositivo constante na maior parte das democracias do mundo e sua origem remonta ao século XVII, na Inglaterra. Com a Revolução Inglesa ou Gloriosa de 1688, a burguesia toma o poder da nobreza e o poder passa a ser dividido entre executivo, legislativo e judiciário. Antes, os reis eram absolutos, autoritários e concentravam em suas mãos todo o poder político: elaboravam leis, aplicavam e julgavam a si mesmo em relação ao cumprimento das mesmas. Com o surgimento do parlamento (legislativo) encarregado de fazer as leis, que deveriam ser aplicadas pelo rei (executivo) e fiscalizada pelos juízes (Judiciário), os reis, tiveram seu poder diminuído e com dificuldades de assimilar essa prática política, tendiam a retaliações. Para evitar esse transtorno é criado o instituto da Imunidade Parlamentar, conquista que se afirmou como uma prerrogativa dos representantes do povo no exercício livre do mandato ante as pressões dos setores inconformados do Executivo ou de particulares. Tem a imunidade, a função de garantir a inviolabilidade do mandato. No caso, o parlamentar pode emitir opiniões, fazer críticas, formular denúncias, fiscalizar, propor e votar.
Posteriormente, esse dispositivo, foi incluído em outras constituições, principalmente na dos EUA de 1787 e Francesa de 1791. De acordo com as particularidades de cada país, ela pode apresentar algumas variações e ser tratada de forma não muito diferente da original. Nas constituições, podemos perceber dois tipos de imunidades parlamentares: A imunidade material (freedom of speech) assegura ao parlamentar inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos, no recinto da respectiva câmara, e garantindo ampla liberdade no exercício do seu mandato, não só frente ao governo, como aos partidos e ao corpo eleitoral. A Imunidade Formal (freedom from arrest) protege o congressista contra prisões arbitrárias e processos tendenciosos. As imunidades acima, como já foi dito, têm variações e limites de acordo com o entendimento técnico, ideológico, pedagógico, processual, conjuntural, etc., portanto, notamos algumas diferenças de país para país. Podemos citar alguns exemplos e fazer algumas observações: Na Inglaterra, a imunidade material não enfrenta limitações, sendo aplicada integralmente de acordo com sua concepção original. Já a imunidade formal não tem a mesma tolerância. Os ingleses consideram que o fato de ser parlamentar, não é obstáculo ao exercício da justiça penal. Se um membro do Parlamento é preso sob acusação de praticar um crime tipificado na lei penal, o juiz deve simplesmente avisar a Câmara, que não teria poder de impedir a ação. Tampouco, podem influir contra as prisões preventivas ou decretadas por desobediência aos tribunais. Nos EUA, parlamentares não podem ser presos, durante as sessões da câmara, nem no trajeto de ida ou regresso das mesmas. Mas, este dispositivo tem limites se o parlamentar tiver cometido crime de traição, conspirado contra a paz ou participado de um crime de alta relevância. Estas são determinações constantes em artigos da constituição americana desde 1787. Portanto, podemos perceber que no direito legislativo americano, a imunidade parlamentar tem algumas limitações, mas não há necessidade de prévia autorização da câmara para um processo penal.
A França exclui a necessidade de prévia licença para o processo e admite, inclusive, a prisão em decorrência de condenação criminal definitiva. O Art. 26 da Constituição Francesa estabelece: "Nenhum membro do Parlamento pode ser perseguido, procurado, preso ou julgado pelas opiniões ou votos emitidos no exercício de suas funções. Nenhum membro do Parlamento pode, durante as sessões, ser perseguido ou preso por motivos criminais ou correcionais, a não ser com a autorização da Assembléia da qual faz parte, exceto no caso de flagrante delito. Nenhum membro do Parlamento pode ser preso fora da sessão, a não ser com a autorização da mesa da Assembléia da qual faz parte, exceto em caso de flagrante delito, de buscas autorizadas ou de condenação definitiva. A detenção ou busca de um membro do Parlamento é suspensa se a Assembléia da qual faz parte assim o requerer", este artigo da constituição francesa assemelha-se ao Art. 53 de nossa constituição que trata, além de outras questões, da imunidade parlamentar. Na Alemanha, a Câmara exige uma prévia licença para instauração de um processo e tem ainda o poder de determinar a soltura do congressista. É permitida uma ampla liberdade no exercício de seu mandato. Mas essa liberdade tem limitação nos casos de flagrante delito ou ofensas caluniosas. A Itália possuía uma constituição semelhante à brasileira, no que diz respeito às imunidades. Após a deflagração da chamada "operação mãos limpas", houve uma alteração constitucional radical, fruto de uma forte pressão popular. No artigo atual, a imunidade formal continua ampla (opiniões, palavras, votos). Já na imunidade formal, suspendeu-se a necessidade de licença para o processo criminal, mas continua necessária a autorização do parlamento para a prisão do parlamentar.
No Brasil, imunidade e impunidade até pouco tempo atrás eram sinônimos. Deputados e senadores só podiam ser processados quando o congresso desse autorização e este dispositivo constitucional era usado para acobertar estelionato, sonegação de imposto, tentativa de assassinato, atitudes suspeitas, escusas e criminosas de alguns parlamentares, que se consideravam acima da lei. Em 20 de dezembro de 2001, deputados e senadores, aprovaram uma emenda à Constituição ( PEC 35/2201 ) e a imunidade foi restringida. A extinção desse privilégio desestimula a candidatura de pessoas em débito com a Justiça ao passo que, o Supremo Tribunal Federal não precisa mais solicitar ao Poder Legislativo a licença prévia para processar parlamentares. Após a aprovação desta emenda, deputados federais, senadores e deputados estaduais têm imunidade apenas para expressar suas opiniões e votar da maneira que bem entenderem. No mais, ficam sujeitos ao cumprimento da lei como os demais brasileiros. Podem ser processados, inclusive, por crimes cometidos antes do mandato parlamentar. Todavia existe uma restrição, para os parlamentares que estiverem exercendo o mandato, é necessária autorização. Isto tem a finalidade de evitar que um político acusado seja vítima de perseguição política. Neste caso, o partido, a Câmara ou o Senado podem pedir a suspensão do processo. Mas essa solicitação requer uma maioria simples das casas legislativas federais, ou seja, tem de receber o apoio de 257 deputados ou 41 senadores. A iniciativa de apresentação do pedido deverá ser feita pelo partido político do acusado e o pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de 45 dias após seu recebimento pela Mesa Diretora. O projeto aprovado deve ainda ser revisto para que seja incluso mais um dispositivo para aperfeiçoá-lo. Por esse dispositivo o parlamentar acusado, se tornará inelegível mesmo se renunciar ao mandato para fugir da cassação. Isto se os congressistas levarem o julgamento até o final e concluir que o acusado é culpado. Na forma como está, o parlamentar acusado, antes de ser expulso, renuncia ao mandato para poder se candidatar às próximas eleições.

Formas de Governo Representativo

A política é baseada em princípios, sejam eles morais, sociais, ideológicos ou práticos. Bernard Manin ao deter-se sobre a questão do governo representativo observou que desde sua gênese no limiar do século XVIII, alguns princípios práticos, “instituições concretas”, segundo ele mesmo escreve, permaneciam inalterados e podiam ser visualizados desde aqueles tempos até então. Ele sintetiza-os da seguinte forma: Os representantes são eleitos pelos governados; Os representantes conservam uma independência parcial diante das preferências dos eleitores; A opinião pública sobre assuntos políticos pode se manifestar independente do controle do governo; As decisões políticas são tomadas após debate. Estes quatro tópicos são abordados por ele em seu ensaio “A Metamorfose do Governo Representativo”[1] à luz das três formas de governo representativo que ele considera mais comuns[2], as quais abordarei no decorrer desta resenha. A seguir irei discorrer sobre os quatro princípios levantados por ele em seu ensaio. Os Representantes são Eleitos pelos Governados Para que possa existir representação os governantes necessariamente precisam ser periodicamente eleitos pelos seus governados, sem isso o Estado assume um caráter totalitário, onde o governante, na maioria dos casos, não representa a maior parte da sociedade, mantendo-se no poder invariavelmente pela coerção imposta pelo aparelho repressivo do Estado. A renovação periódica dos governantes através do pleito eleitoral, pressupõem uma liberdade individual inerente aos países cujo regime é pautado pela democracia. Um dos princípios básicos da democracia, é a idéia de permitir o acesso dos mais variados setores da sociedade às esferas de poder estatal, instrumento este que visa a diminuição da distância social entre as elites dominantes e a base da sociedade, menos influentes politicamente. Todavia, em um sistema eletivo não é o povo que governa a si mesmo em uma espécie de auto-governo, cabe a um ou mais representantes escolhidos pelos eleitores a direção do Estado. Desta forma as diferenças de status e função, entre povo e governo não são eliminadas. E nem podemos subtender que através de eleições os governados escolherão exclusivamente pessoas semelhantes a eles para serem seus governantes. O histórico dos processos eleitorais revelam que aqueles que são vitoriosos são indivíduos que de alguma forma se destacaram, seja por qualidades individuais ou por pertencerem a instituições que possuem grande abrangência da população, não sendo necessário uma identificação particular e individual com o candidato, salvo o modelo parlamentarista, no qual há possibilidade de uma maior identificação por parte do eleitorado com o representante eleito, porém, mais por pertencer à mesma localidade e região do que à mesma classe social. As eleições repetidas funcionam ainda como uma forma de influência do povo sobre os seus representantes e suas decisões no governo. De forma que, durante seu mandato, o governante que tenha um mau desempenho no uso de sua função, seja deixado de lado em futuras eleições ou no caso de uma reeleição. O princípio de que “os governantes são eleitos pelos seus governados”, assume um caráter diferente em cada modelo de governo. Manin os diferencia da seguinte maneira: a) No Governo Parlamentar: Nesta forma de governo as eleições foram concebidas como uma maneira de conduzir ao governo as pessoas que detinham a confiança de seus concidadãos. Assumindo um caráter essencialmente pessoal, as relações de confiança com determinado candidato com seus eleitores, seus laços sociais, é que irão definir seu sucesso em uma eleição. Os governantes vão constituir uma elite de notáveis, pessoas que se destacaram na cena política de sua região por sua personalidade, riqueza ou ocupação. b) Na Democracia de Partido: Com a extensão do direito de voto à maioria da população, o eleitorado passou a ser composto de uma gama mais diversa de indivíduos, limitando e até mesmo impedindo a identificação do eleitor com seus representantes e suas relações de viés pessoal. Os partidos políticos[3], juntamente com suas burocracias e sua rede de militantes surgiram exatamente para mobilizar esse eleitorado mais numeroso. As classes sociais passaram a ter maior peso durante as eleições, pois na democracia de partido, a representação se torna fundamentalmente um reflexo da estrutura social. Em um sistema político-eleitoral dominado pelas máquinas organizativas partidárias aliadas a um programa político, como define Umberto Cerroni o partido político[4], os indivíduos tendem a votar influenciados pela ideologia de uma legenda. Mesmo nesta forma de governo, as eleições permitirão que uma elite assuma o poder, neste caso a elite partidária, indivíduos que se destacaram por talentos e qualidades especiais, particularmente, o ativismo a capacidade de organização. c) Na Democracia de Público: Uma mudança contemporânea ocorre nesta forma de governo. Influenciados pelos meios de comunicação de massa, cada vez mais os eleitores passam a votar em uma pessoa e não em um partido. Os partidos continuam a exercer um papel fundamental, mas tendem a se tornar instrumentos a serviço de um líder. Os canais de comunicação política afetam a natureza da relação de representação: os candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores através do rádio e da televisão, dispensando intermediários. Os que possuem melhores qualidades pessoais de comunicação, os “comunicadores”, são favorecidos nesta forma de governo. A ênfase não está mais em um programa político mas nas individualidades dos candidatos. O julgamento é baseado na confiança, e determinado político é julgado mediante a análise de sua folha de serviços, não através de sua plataforma política. Os Representantes Conservam uma Independência Parcial Diante das Preferências dos Eleitores Os representantes mantêm um certo grau de independência em suas decisões, mesmo tendo sido eles escolhidos por seus governados. Durante o exercício do poder, os governantes podem enfrentar inúmeros problemas que interferem na execução de seus projetos de governo e podem impedir a concretização das promessas de campanha. O governante então dispõe de liberdade para mudar seus objetivos e políticas mediante as circunstâncias que enfrente durante seu mandato[5]. Mesmo que essas “mudanças de rumo” sejam contra a opinião da maioria da população, os dirigentes da nação irão tomar as decisões necessárias para superar alguma crise interna ou externa visando o bem-estar futuro da população. A isto subtende-se, um certo virtuosismo, nos moldes de Maquiavel, a que deve possuir um governante, prevalecendo o julgamento sereno e ponderado da coletividade. O sistema plenamente representativo, teoricamente, favorece a ascensão ao poder de pessoas mais aptas a resistir às “paixões desordenadas” e os “equívocos e ilusões efêmeros” que podem tomar conta do povo. Sendo assim, entendemos o distanciamento entre as decisões do governo e a vontade popular, o que permite ao Sistema Representativo uma relativa superioridade aos demais sistemas. Isso é defendido por Emmanuel Sieyès quando escreve aos políticos do recém formado governo francês em 1789, “os deputados não estão na Assembléia Nacional para afirmar vontades já formuladas por seus eleitores, mas para deliberar e votar livremente, de acordo com o juízo que façam no momento e esclarecidos por todas as luzes que a Assembléia possa lhes proporcionar”. Sobre este princípio a abordagem é diferente nos três modelos de governo abordados por Manin em seu ensaio: a) No Governo Parlamentar: A consciência e o julgamento pessoal são o que irão determinar a tomada de decisões para os deputados. Neste caso os representantes não são porta-vozes dos eleitores, mas seus homens de confiança. b) Na Democracia de Partido: Os representantes estão ligados à disciplina partidária e dependem do partido que os elegeu, não podendo eles deliberar livremente sobre qualquer assunto de interesse nacional sem que antes haja uma orientação partidária. O representante se vê obrigado a votar com a bancada de seu partido caso contrário pode sofrer sanções, podendo culminar com a destituição do deputado[6]. Esta é uma forma eficiente do controle dos deputados pelo seu partido. c ) Na Democracia de Público: Em um sistema dominado pelos meios de comunicação de massa, os governantes são muitos suscetíveis à opinião dos eleitores, procurando sempre passar uma imagem que melhor se enquadre no arquétipo de dirigente idealizado por eles. Sendo assim, a tomada de decisões pelos representantes também será pautada pela imagem que eles desejam passar ao eleitorado. A Opinião Pública Sobre Assuntos Políticos pode se Manifestar Independentemente do Controle do Governo Desde o princípio da formulação do Sistema Representativo, a idéia de que a representatividade permite que os governados possam formular e expressar livremente suas opiniões políticas, prevalece até então. Para que haja uma opinião consistente por parte do eleitorado é necessário que esses tenham acesso à informação política, da forma mais imparcial possível. Um fator determinante neste esclarecimento político da sociedade é tornar pública as decisões governamentais, não cabendo aos governantes decisões e acordos secretos. Um outro aspecto importante para o esclarecimento político dos governados é a liberdade de expressão de opiniões políticas. O debate de assuntos da cena política dentro da sociedade possibilita o enriquecimento das questões levantadas e um conhecimento por parte dos representantes da vontade de seus representados. Os governantes tem autonomia para deliberar e decidir indiferentemente da vontade dos governados, contudo essa ausência do direito de instrução não implica que os governantes ignorem os desejos e demandas da sociedade. Comumente chama-se de opinião pública, essa voz coletiva do povo que, sem ter valor impositivo, sempre se manifesta independentemente do controle do governo. A liberdade de opinião impede a substituição absoluta dos representados pelos representantes, mantendo permanente a possibilidade de que o povo fale por si mesmo. Este princípio é semelhante no Modelo Parlamentar de Governo e na Democracia de Público, diferenciando-se na Democracia de Partido como vemos a seguir: a) No Governo Parlamentar: As opiniões dos representantes podem diferir da dos representa- dos. Sendo que os primeiros permanecem suscetíveis à opinião dos segundos levando em conta futuros resultados eleitorais. Nos casos onde os governantes não dão vazão à opinião de uma importante parcela dos governados, vê-se a liberdade de opinião tomar iniciativas organizadas de pressão junto ao governo através de associações, manifestações, petições e campanhas de imprensa. b) Na Democracia de Partido: A opinião dos representantes está intimamente ligada à opinião dos representados. Neste modelo de governo representativo, os partidos são responsáveis pela organização da disputa eleitoral e dos modos de expressão pública. Os indivíduos da sociedade mais bem-informados e os mais interessados em política, obtém informações por intermédio da leitura de uma imprensa politicamente orientada. Sendo assim a liberdade de opinião pública se restringe aos meios de comunicação partidários ou que possuem alguma ligação com um partido. Este quadro contribui para uma estabilidade das opiniões políticas, restando à liberdade de opinião pública a liberdade de fazer oposição ao partido detentor do poder e/ou o partido majoritário. c) Na Democracia de Público: Com a crescente revolução tecnológica e a alteração periódica da economia, a imprensa de opinião entrou em declínio. A mídia impressa, televisiva e radiofônica passou a não possuir uma orientação partidária, tornando-se aparentemente neutros diante dos fatos. O resultado dessa mudança é que indiferentemente de suas orientações partidárias os indivíduos recebem as mesmas informações sobre dado assunto. O indivíduo passa a ver os partidos de modo homogeneizado e a opinião pública se torna acentuadamente mutável, podendo, independentemente das preferências políticas expressas nas eleições, assumir posições contrárias após o período eleitoral, podendo divergir de seus representantes em assuntos específicos ou em questões mais abrangentes. Os governantes passam a recorrer a pesquisas de opinião para ter uma idéia do que se passa na sociedade e passam a determinar suas estratégias políticas através destas pesquisas. As Decisões Políticas são Tomadas Após Debates É uma idéia corrente que o Governo Representativo foi originalmente concebido e justificado como um governo do debate. Porém esta expressão mostra-se um tanto vaga, pois onde se dá os debates? Eles estão em todas as etapas do processo decisório ou em apenas algumas? Quando fala-se em debate, pressupõe-se que haja mais de um ator e que os interesses em questão sejam diferenciados. Portanto é inevitável que o lugar do debate por excelência seja uma assembléia. Outro aspecto da importância de se debates para se tomar uma decisão política é que estas decisões posteriormente se tornarão leis. Ora, se a verdade deve ser a base da lei, o debate é o caminho mais adequado para determinar a verdade; portanto o órgão central de tomada de decisões deve ser um local de debates, em outras palavras uma assembléia. Em nosso mundo moderno, caracterizado pela divisão do trabalho, pelo progresso do comércio e pela diversificação de interesses, a assembléia representativa passa a ser uma representação simultânea da coletividade e diversidade da sociedade. Dentro deste contexto complexo o problema é alcançar um acordo entre os mais variados extratos sociais, não raro, os participantes deste cenário político procuram conquistar o consentimento dos outros através da persuasão. Outro fator importante que favorece o acordo e o consentimento é o interesse geral. O consentimento da maioria só ocorre na medida que os diferentes atores, mediante o debate político, chegam a um denominador comum. Quando falamos de consentimento da maioria não quer se dizer concordância universal, muito menos a expressão final da verdade, apenas que a vontade da maioria prevalece, e esta possui a força de uma verdade. Sobre este princípio, Manin em seu ensaio divide o debate parlamentar da seguinte maneira:

a) No Governo Parlamentar: O debate político para a tomada de decisões é exclusividade do parlamento, não sofrendo influências extra-parlamentares qualquer. b) Na Democracia de Público: O debate se dá em duas esferas, a esfera partidária e a esfera parlamentar. A debates dentro dos partidos e após isso debates entre os partidos no âmbito da assembléia. c) Na Democracia de Público: O debate é o mais aberto possível. Participam do debate grupos de interesses financeiros, a mídia, instituições de classes, movimentos sociais, etc. A decisão fica a cargo dos representantes dentro da Assembléia, contudo, a influência extra-parlamentar existe efetivamente.

[1] Manin, Bernard; A Metamorfose do Governo Representativo, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Assoc. Nac. de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Nº 29, Ano 10, Outubro de 1995, Pág. 5-34.

[2] A saber, O Governo Parlamentar, A Democracia de Partido e A Democracia de Público.

[3] Na democracia de partido, os partidos políticos assumiram originalmente ideologias socialistas, sendo os partidos socialistas surgidos no final do Séc. XIX um dos precursores dos partidos políticos modernos.

[4] Cerroni, Umberto; Teoria do Partido Político, São Paulo, Lech, 1982.

[5] Esta liberdade é limitada na Democracia de Partido, onde o governante está ligado diretamente ao seu partido e sua plataforma de governo, e qualquer mudança necessariamente passa por uma aprovação de uma comissão ou assembléia partidária antes de ser posta em prática. [6] Na Democracia de Partido o mandato não é do deputado mas do partido pelo qual ele se elegeu.