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Teoria do Conhecimento: Autoridade e Ignorância

AUTORIDADE 1. Usado primeiramente no campo jurídico e legal, o termo foi estendendo-se a outros domínios, assumindo os múltiplos significados que hoje tem. A noção a esses diversos sentidos é a de capacidade de influir, graças a certa superioridade reconhecida ou acatada. Verifica-se, sobretudo em duas ordens: a intelectual (autoridade do mestre, do especialista, etc.) e a social (autoridade dos pais, dos dirigentes, dos governantes, etc.). Para além desta formas de autoridade pessoal, fala-se ainda, por extensão da autoridade real de documentos, instituições, etc. À Autoridade na ordem intelectual, corresponde naqueles que a reconhecem, à fé; esta apenas é plenamente devida à Autoridade infalível de Deus, sendo devida às demais autoridades na medida da respectiva credibilidade. À Autoridade na ordem social corresponde a obediência. Finalmente, a Autoridade pode ser apenas de fato ou de direito.
2. Sobretudo a partir de Max Weber — o qual definia sociologicamente a Autoridade como a probabilidade de uma ordem encontrar obediência — têm os sociólogos procurado isolar com precisão a Autoridade, distinguindo-a de realidades afins, tais como, o poder, a liderança, o controle social, etc.; elaboram diversas tipologias, investigaram diversas questões, tais como o tipo predominante de Autoridade política e o modo como ela se exerce nos diversos primários e organizações intermédias de uma determinada sociedade, a relação entre a educação e a atitude perante a Autoridade, a distribuição da Autoridade por diversos centros, etc.
3. Para além do campo empírico-factual estudado por Weber e outros autores, a Autoridade de direito apresenta-se como autêntico direito de mandar, ao qual corresponde o dever de obedecer. Acerca da Autoridade assim concebida convém distinguir as questões que dizem respeito a ela mesma daquelas que se referem aos seus detentores, também chamados “autoridades” e ao uso que dela fazem. O problema fundamental relativo à Autoridade considerada em si mesma é o da sua justificação ou fundamentação. Para além da tese dos que lhe negam qualquer justificação — anarquistas — duas são as respostas: a que atribui à Autoridade uma origem exclusivamente humana (o detentor ou/e a sociedade) e a que, para além da vida humana, afirma uma origem transcendente, ultimamente divina. Esta Segunda concepção é a que mais satisfatoriamente responde às duas aporias da Autoridade, a saber: a sua compatibilidade com a liberdade e com a igualdade dos homens. Colocar em Deus o fundamento e a fonte de toda a verdadeira Autoridade, ao mesmo tempo em que salvaguarda a dignidade de quem obedece e aumenta a responsabilidade de quem manda, deixa intacta a fundamental igualdade entre ambos e a liberdade dos que obedecem — as dificuldades, aqui, são mais de ordem prática e prudencial, na busca do justo equilíbrio entre a Autoridade, exercício da Autoridade e liberdade.
4. Indispensável fator de unidade dinâmica de qualquer grupo ou sociedade, a Autoridade visa o bem dos que lhe são subordinados. Este importante aspecto é, aliás, o que sugere a etimologia da palavra, a qual deriva do verbo latino augere, que significa aumentar, fomentar, promover. A Autoridade, capacidade de fazer crescer, de dar origem a “mais”, capacidade essa resultante por sua vez de algo “mais” que o detentor da Autoridade possui relativamente aos seus subordinados. O bem que a Autoridade assegura à sociedade ou grupo define ao mesmo tempo o âmbito de sua competência.
5. Do que precede, resulta claro que é da maior importância que a Autoridade seja corretamente compreendida e correspondentemente acatada para o satisfatório desenvolver-se da vida de qualquer sociedade. As legítimas e inevitáveis diferenças, nos diversos contextos socioculturais, quanto à apreciação do papel que à Autoridade cabe nunca poderão, sem graves inconvenientes, ultrapassar certos limites. Muito valorizada em Roma e na Idade Média, a Autoridade vem sendo submetida, nos tempos modernos, a uma progressiva desvalorização, fruto a um tempo da autonomização da razão e da liberdade e da reação contra os excessos absolutistas. O utilitarismo e funcionalismo que em grande parte caracterizam o atual exercício da Autoridade — em paralelo com a crescente “institucionalização” da mesma — contribuíram, juntamente com outros fatores, para diminuir a veneração e o prestígio que em outras épocas rodeavam as “autoridades”. Sem perder nada do que de positivo essa evolução representa, importa encontrar, novas formas de prestigiar a Autoridade a, desse modo, melhor assegurar o insubstituível papel que lhe cabe em toda a vida social.
IGNORÂNCIA
Falta de conhecimento num sujeito capaz de conhecer, neste sentido refere-se apenas à falta de conhecimento que o sujeito deveria possuir e não a qualquer outro. Difere do erro, que consiste em ter como verdadeira uma noção objetivamente falsa (juízo falso); da inadvertência que resulta de uma inconsideração momentânea e não propriamente de uma falta de conhecimento; do esquecimento permanente ou temporário de conhecimentos que sujeito já antes possuía. Kant distingue entre Ignorância objetiva e subjetiva. A Ignorância objetiva consiste ou numa deficiência de conhecimento de fato ou num defeito de conhecimentos racionais. A Ignorância subjetiva ou é uma Ignorância douta ou científica — própria de quem conhece as limitações do espírito humano — ou é uma Ignorância comum. Kant diz ainda que a Ignorância é inculpável quando incide sobre as coisas cujo conhecimento ultrapassa as possibilidades de saber comum aos homens. Mas é culpável nas cisas em que o conhecimento é necessário e apresentam condições que possibilitem o seu conhecimento. Em filosofia moral é a falta de conhecimento do valor moral de uma ação e principalmente da lei ou de um fato que recai sob a lei. A Ignorância moral pode ser superável ou insuperável. É superável, na medida em que há uma negligência no conhecimento exigido, é culpável. A culpa existe, já antes da ação, na recusa, da parte do sujeito, em buscar o devido esclarecimento e na facilidade com que aceita as possíveis más conseqüências: trata-se neste caso da Ignorância antecedente, que precede e causa a determinação da vontade. Há ainda a Ignorância concomitante, que não exerce qualquer influxo casual efetivo na ação.

Teoria do Conhecimento: Evidência e Demonstração

EVIDÊNCIA Em seu sentido literal, evidência é a representação ou manifestação de qualquer objeto como tal.
a) A palavra latina correspondente — evidentia — era o equivalente, no latim clássico, do grego euargea e vulgarmente utilizada como termo de retórica simbolizando clareza, “plena visualidade” do que é mencionado no discurso. No domínio da Filosofia, significa o aparecimento do que é verdadeiramente, o que é tão manifesto que exclui a possibilidade de dúvida, e portanto, de erro. A evidência torna-se assim, critério de verdade e de certeza.
b) A Evidência, quanto ao domínio em que pode dar-se, divide-se em empírica, ligada à experiência sensível, e racional; neste último caso a exclusão da possibilidade de dúvida ou erro funda-se na impossibilidade de pensar ao contrário. A Evidência se reveste ainda do aspecto de evidência objetiva (manifestação do objeto como tal) e evidência subjetiva (vivência da Evidência). Outros aspectos da Evidência são a evidência da verdade, objetiva ou intrínseca, que se apoia no objeto apresentado ao intelecto, e a evidência de credibilidade ou extrínseca, que se apoia no fato de a Evidência ser aceita como crível, sem mistura de dúvida alguma.
c) No pensamento grego a Evidência aparece como conceito filosófico rigoroso, embora na época pré-socrática não havia ainda uma distinção, não se estabelecia uma separação nítida entre evidência sensível e evidência racional. A Evidência era sensível quanto à gênese e racional quanto ao valor. d) A doutrinação socrática traduz-se em uma conquista do racionalismo, do íntimo da Evidência subjetiva brota a Evidência objetiva, que estaria necessariamente presente como núcleo de uma verdade universal. Posteriormente, de acordo com a teorias das idéias de Platão, o sentido pleno da Evidência realiza-se apenas na evidência inteligível ou racional. e) Em Aristóteles a Evidência sensível adquire maior objetividade, o inteligível ocorreria como forma substancial no indivíduo corpóreo, a justificação última da Evidência sensível só é alcançável pela evidência racional, mediata, discursiva do ser, cuja formulação mais característica se encontra na definição do silogismo. Esta Evidência racional, por sua vez, culmina na evidência intelectual, imediata, própria dos princípios, que se atinge apenas quando a coisa não pode ser dada diferentemente de como é pensada. f) Os escolásticos ao estudarem o problema das relações entre a razão e a fé, foram levados a uma distinção entre a certeza fundada sobre a evidência racional ou intrínseca, e a evidência do que é considerado verdadeiro, a certeza que se funda na autoridade de Deus, revelada direta ou indiretamente, pela tradição oral ou pela Escritura. Neste último caso encontramo-nos em presença de uma evidência de credibilidade de uma Evidência extrínseca, correspondente ao dogma. g) Na Idade Moderna, as idéias de René Descartes impulsionaram o conceito subjetivo de Evidência, era necessário pensar livremente não assumindo "verdades objetivas" somente porque eram impostas. As regras do método cartesiano prescrevem “não aceitar por verdadeiro, seja o que for, sem que se reconheça evidentemente como tal, isto é, evitar a precipitação e a prevenção e só incluir nos próprios juízos o que se apresenta clara e distintamente ao espírito, por não haver ocasião alguma de o pôr em dúvida”. A Evidência reduz-se à clara distinção das idéias, a oposição entre o sujeito e o objeto. Os problemas são transpostos dos objetos concretos para o domínio das idéias, representando-se porém, neste último domínio, como problemas objetivos. h) O conceito subjetivista de Evidência, ligado à faculdade da intuição, está presente em quase todo o pensamento moderno, o que não impediu que a idéias de evidência objetiva como a filosofia de Franz Brentano e Edmund Gustav Albrecht Husserl, a fenomenologia, também se manifestassem. Ela reflete o papel desempenhado pela Evidência em sentido geral e sua conexão com o problema da verdade, regressando ao antigo conceito de Evidência objetiva, a realidade é da forma como a percebemos. A Evidência é portanto, uma propriedade do chamado “juízo correto”, um juízo deve ser mediata ou imediatamente evidente. A noção husserliana de Evidência é possível de se explicar a vários outros domínios alheios à teoria. É o que acontece na doutrina axiológica de Max Scheler, em que se pode falar de uma evidência preferencial, indicadora das relações hierárquicas objetivas dos valores. De resto, todo o movimento fenomenológico, e em geral as correntes contemporâneas por ele influenciadas, admitem como critério de verdade a Evidência, no seu caráter objetivista, isto é, como manifestação do objeto como tal, seja ele qual for e sejam quais forem também os métodos em que se verifica a sua presença ou manifestação.
DEMOSTRAÇÃO
1. Noção. Demonstração, em sentido vulgar, significa toda a argumentação tendente a estabelecer a verdade de uma proposição. Mais rigorosamente, processo lógico-discursivo pelo qual, de premissas certas e verdadeiras, se infere a certeza e a verdade de uma conclusão. Como tal, a demonstração é o fundamento do conhecimento científico. Com efeito, a ciência é um conhecimento sistemático, explicativo, baseado em questões necessárias (causas). Ora a Demonstração tem por finalidade evidenciar ou explicar o nexo causal que liga o desconhecido ao conhecido. E o silogismo, como forma mais perfeita de raciocínio, constitui o instrumento por excelência da demonstração. Atendo à matéria, ao tipo de proposições que exige, podemos definir a Demonstração como sendo o silogismo formado de premissas verdadeiras, primeiras e imediatas, anteriores à conclusão, mais conhecidas do que ela e que atuam como sua causa.
2. Espécies. A Demonstração descrita acima recebe o nome de propter quid (porque acontece), não só mostra a conveniência do predicado com o sujeito, mas declara a causa intrínseca, próxima e adequada de tal conveniência. É também dita a priori porque parte dos princípios para as conseqüências, do naturalmente anterior para o naturalmente posterior. É esta Demonstração que Aristóteles se empenhou em definir, por representar o tipo ideal, que mede e regula os demais. Há porém outros tipos de Demonstração imperfeita ou quia (como acontece), que se limitam a indicar o que uma coisa é, sem declarar a razão intrínseca e próxima pela qual é. Podem ser a priori ou a posteriori. No primeiro caso, é dada a razão da conclusão, mas uma razão longínqua e comum, que pode dar origem a outras conclusões. Mas a forma mais vulgar de Demonstração imperfeita é a Demonstração a posteriori. Esta consiste em demonstrar alguma coisa a partir de seus efeitos (do que é por natureza posterior ao que é anterior).
3. Valor. A própria razão demonstra que nem tudo pode ser demonstrado, pois teríamos uma série infinita de demonstrações ou cairíamos num processo circular. Ora é impossível percorrer uma série infinita de demonstrações antes de estabelecer qualquer conclusão, e o processo circular é vicioso já que uma proposição seria Demonstração de si mesma, anterior e posterior a si mesma, mais conhecida e menos conhecida, o que é contraditório. Por isso que a ciência, em sentido rigoroso, a ciência demonstrativa, não é o único processo de conhecimento, também não foi o primeiro ou é completamente perfeito.
LOGOS. Enciclopédia Luso - Brasileira de Filosofia. Volume I, Verbo Editora, São Paulo - São Paulo, 1989.
CAROSI, Paulo. Introdução e Gnosiologia Lógica, Volume I, 2º Ed. Edições Paulinas, São Paulo - São Paulo, 1969.