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Observações Sobre a Concepção de Estado nas Teorias de Max Weber e Karl Marx

Como a maioria dos temas dentro da teoria política a definição de Estado é razão de controvérsias, em geral confrontam-se concepções normativas, de como deve ser o Estado e outras descritivas que buscam estudá-lo como ele é, e mesmo dentro destas correntes existem diferentes formas de abordagem e conceitos. Sendo assim, é compreensível que Karl Marx e Max Weber possuíssem idéias distintas a cerca do Estado. A primeira oposição que podemos observar diz respeito à característica principal do Estado. Weber não conceitualiza o Estado por meio de seus fins, ele faz uma análise histórica e constata que o que irá caracterizá-lo é o “meio” pelo qual ele se manifesta. Este seria a coerção, exercida como monopólio legítimo do uso da força pelo Estado. Por outro lado, Marx utiliza um enfoque funcional no qual o Estado seria responsável por perpetuar as condições institucionais que garantem o poder à classe dominante, esta idéia é amparada pela tese marxista de natureza de classe do Estado, segundo a qual ele não seria totalmente autônomo e estaria ligado aos fenômenos sociais, em especial o da estratificação social e o da luta de classes. Vemos também que Weber e Marx davam importância diferenciada ao papel do Estado dentro de suas teorias. Para o primeiro, o Estado possui relevância central na medida que, organizado racionalmente, teria a capacidade de imprimir sua dinâmica a toda a sociedade. Para Marx este papel seria da economia, cabendo ao Estado uma função secundária, tendo sua organização e atuação influenciada por fatores econômicos. A diferença entre estes dois autores sobre o Estado é aprofundada quando analisamos a relação do aparato estatal com o capitalismo. Weber sempre que podia fazia alusão a esta relação como sendo modernizante e expressão da racionalização do homem ocidental, nas suas palavras: “o ‘progresso’ em direção ao Estado burocrático, que sentencia e administra na base de um direito racionalmente estatuído e de regulamentos racionalmente concebidos, encontra-se em conexão muito íntima com o desenvolvimento capitalista moderno”.[1] Karl Marx, por sua vez, via esta relação como algo prejudicial à sociedade, em particular ao proletariado, pois acreditava que o Estado seria utilizado pela classe capitalista, detentora dos meios de produção, para perpetuar a dominação econômica e política, exercida por ela sobre os demais setores sociais. Todavia, Marx não considerava o Estado como sendo uma “Máquina” completamente a serviço da classe dominante, ele também observou que o Estado poderia se comportar de forma autônoma em alguns contextos. Ele pôde constatar isto ao analisar o processo decisório interno, distribuído entre as diversas instâncias estatais, sobretudo no caso francês de meados do século XIX. Ao fazer esta análise verificou a existência de um poder formal e de um poder real, em certos casos os titulares de cargos de poder formal tinham sua capacidade decisória afetada por outros setores que detinham o poder real na tomada de decisões. O que poderia levar o Estado a tomar decisões contrárias às pretensões da classe dominante. Max Weber observando o processo decisório chegou a uma constatação semelhante sobre esta diferenciação no poder dentro do Estado, para ele o domínio efetivo estaria nas “mãos” do funcionalismo, tanto o civil como o militar, não sob o poder de parlamentares, por exemplo, que neste caso teriam apenas um poder formal. Aliada a esta análise do Estado em Marx, estão os conceitos de poder de Estado e de aparelho estatal , como observam CODATO e PERISSINOTTO: “O problema do ‘poder de Estado’ é teoricamente distinto do problema ‘aparelho estatal’. Enquanto este último refere-se à dimensão institucional, aquele procura identificar as relações sociais que são prioritariamente garantidas através das ‘políticas públicas’ promovidas pelo Estado. Deteria o ‘poder de Estado’, portanto, a classe social que tivesse assegurada, pelas ações estatais, sua posição privilegiada na estrutura produtiva da sociedade em análise”[2]. Através deste parágrafo podemos verificar que Karl Marx, ao contrário do que apregoam seus críticos neo-institucionalistas, possuía uma visão clara e original do Estado, neste caso de sua estrutura e relações de poder.Apesar de Marx não ter elaborado uma obra para tratar especificamente dos problemas referentes ao Estado, tais assuntos foram por ele contemplados nos seus escritos mais importantes, de modo que, pode-se dizer que existe em Marx uma “concepção genérica” sobre o Estado que sirva para balizar suas análises. Já em Weber este tema adquiriu maior relevância, o que lhe permitiu teorizar sobre uma forma de regime estatal próprio, o Estado racional. [1] WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 2. Brasília: Editora UNB, 1999. Pág. 530. [2] CODATO, Adriano Nervo. PERISSINOTTO, Renato Monseff. O Estado como instituição: uma leitura das “obras históricas de Marx. Revista Crítica Marxista, nº 13. 2001. Pág. 24.

O Modelo Agonístico de Democracia de Chantal Mouffe

No modelo de democracia defendido por Chantal Mouffe o pluralismo e o dissenso adquirem lugar de destaque, sua concepção permite que tais elementos das democracias liberais contemporâneas sejam valorizados como fatores essenciais para o desenvolvimento democrático. Ao desenvolver sua teoria, ela em diversos momentos se opõe às teses de pensadores consensualistas, como John Rawls e Jürgen Habermas, que vêem a diversidade de posições e o conflito existente entre elas como um obstáculo a ser superado. Primeiramente, a autora considera que as ações sociais fazem parte da política, na medida que se constituem como “atos de poder”, ela entende que o poder não é relação externa a duas identidades já constituídas, mas sim, que ele é parte constituinte das próprias identidades. Desta forma, as relações sociais são também políticas, já que os atos de poder da sociedade se constituem também como uma forma de prática política. Contrariando esta visão, os consensualistas adeptos de uma democracia deliberativa, consideram que quanto mais as relações sociais estejam permeadas pelo poder, menos democrática uma sociedade será. Isto está de acordo com a intenção destes pensadores de tirar o caráter político das relações sociais, e transferir toda a política para um âmbito externo à sociedade, como a instância jurídica no caso de Rawls. Ao defender que a política é algo próprio das relações sociais, Mouffe não foge à complexidade que o pluralismo e o conflito imprime às democracias, ela busca formas de poder que sejam mais compatíveis com estes elementos. O segundo tópico importante que ela levanta é que a legitimidade do poder não pode ser fundamentada apenas pela racionalidade pura, ou pelo melhor argumento como propõe Habermas. Segundo ela, um ato de poder pode ou não ser legítimo dependendo do reconhecimento perante alguns círculos. Este reconhecimento não se pautaria apenas por fundamentos racionais, mas principalmente por fatores pragmáticos, como a influência econômica ou moral. Para que se possa ter um entendimento mais claro do modelo proposto, Mouffe faz uma distinção entre “a política” e o “político”. A primeira dimensão diz respeito ao conjunto de práticas, discursos e instituições que buscam organizar a coexistência humana em cenários muitas vezes conflituosos. A dimensão “do político” consiste no antagonismo inerente às relações humanas, que pode se expressar de diversas formas, muitas delas violentas. Ao fazer esta diferenciação a autora mais uma vez se opõe aos racionalistas, que buscam eliminar os antagonismos por meio da construção de um consenso racional. Para Mouffe a erradicação dos antagonismos não corresponde às exigências de uma democracia pluralista, ela vai além, acredita que isto seria impossível. Como alternativa propõe transformar o antagonismo existente nas relações sociais em agonismo, isto é, deixar de encarar qualquer posição contrária como inimiga e passar a considerá-la como adversária. A dimensão “da política” corresponderia a esta necessidade de transformar o antagonismo em agonismo, sendo que ela permitiria a criação de uma unidade em um contexto de conflito e diversidade. A adoção de um modelo agonístico que permite a existência do dissenso está, na perspectiva de Mouffe, alinhado com o verdadeiro significado da tolerância nas democracias liberais. Para que isto tenha sucesso é necessário que o adversário tenha suas posições consideradas legítimas, e que as partes em conflito se proponham conjuntamente a seguir os princípios éticos e políticos de uma democracia liberal, a liberdade e a igualdade. Aceitar o ponto de vista do adversário para ela é mais uma conversão do que um processo de persuasão racionalista, implica em modificar a forma de encarar seu opositor. Para se abandonar a concepção “inimigo” para adotar a idéia de adversário, abre-se espaço para a negociação, para o estabelecimento de compromissos mútuos, mesmo que o conflito em potencial não deixe de existir. Neste ponto pode-se identificar mais uma diferenciação entre a teoria agonística de Mouffe e a consensualista, ela procura mobilizar as paixões existentes nas relações humanas na direção de objetivos democráticos, ao passo que os consensualistas procuram eliminar estas emoções. Embora Mouffe critique o consenso na forma como ele é defendido por Rawls, por entender que ele leva a uma despolitização da sociedade e que a cristalização de posições coletivas pode acarretar a explosão violenta dos antagonismos, ela não descarta totalmente a idéia do consenso. Em seu modelo pluralista/agonístico de democracia há a menção de uma certa quantidade de consenso, principalmente em relação aos princípios éticos e políticos de uma democracia liberal, porém ele será sempre conflitivo em virtude das diferentes concepções de cidadania (social-democrata, neoliberal, etc.). Ele também será transitório, sendo que toda hegemonia é provisória, pois qualquer estabilidade do poder implica em uma exclusão, o que alimenta o processo conflitivo e abre espaço para alternância do poder.
MOUFFE, Chantal. La Paradoja Democrática. Capítulo 4. Gedisa, Barcelona, 2003.