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Sistema de Governo Brasileiro: o presidencialismo de coalizão

O Presidente da República no Brasil detém mecanismos importantes para a execução de suas políticas governamentais, que invariavelmente passam pela sua relação com o Poder Legislativo. Fazem parte deste instrumental, os poderes de editar medidas provisórias[1] e o de vetar ou sancionar algum projeto de origem parlamentar. Isto não implica que o Executivo possa governar independentemente do Congresso, particularmente porque o uso sucessivo de MP’s e também de eventuais vetos, demonstram como esses artifícios presidenciais derivados do período ditatorial supervalorizam o cargo de presidente da república em detrimento do poder legislador dos parlamentares. Em virtude do alto grau de fragmentação partidária, é difícil que um presidente eleito tenha aliados suficientes para compor uma maioria na Câmara dos Deputados e no Senado, somente com seus partidários. Para que determinado governo não encontre obstáculo à aprovação de suas propostas no Congresso ele necessita compor alianças pré e pós-eleitorais, que representem o apoio da maior parte dos 513 deputados e dos 81 senadores. A este padrão de governo a literatura chama de ‘presidencialismo de coalizão’ o termo foi cunhado pelo Cientista Político Sérgio Abranches (1988) em obra de mesmo nome, mais recentemente ele nos deu uma definição mais sintética de seu desenvolvimento: “Por ser presidencialismo, esse regime de governança reserva à presidência um papel crítico e central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão. O presidente precisa cultivar o apoio popular – o que requer a eficácia de suas políticas, sobretudo as econômicas – para usar a popularidade como pressão sobre sua coalizão; ter uma agenda permanentemente cheia, para mobilizar atenção da maioria parlamentar e evitar sua dispersão; ter uma atitude proativa na coordenação política dessa maioria, para dar-lhe direção e comando” (ABRANCHES, 2001). A formação de uma base aliada na Câmara dos Deputados não tem sido um problema para os governos, além de uma postura proativa como coloca Abranches, o Poder Executivo possui recursos para persuadir os políticos de outros partidos. A possibilidade de nomear pessoas para cargos em estatais (Petrobrás, Branco do Brasil, Correios, CEF, etc.) e na própria estrutura de governo (Ministérios, cargos de segundo e terceiro escalão), mostra-se um instrumento eficaz para atrair partidos e seus parlamentares para a esfera de influência governamental. Quando os governistas componentes da base aliada ensaiam algum movimento dissidente, o Executivo ainda recorre ao orçamento, liberando verbas para os projetos que beneficiam os redutos eleitorais dos parlamentares. Esta prática reprovável do ponto de vista ético, produz resultados políticos, principalmente quando o político ou partido assediado pelo governo possui uma orientação fisiológica[2]. Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro de Luis Inácio Lula da Silva a formação de um governo de coalizão foi bem sucedida, permitindo um grau de governabilidade confortável em sua relação com o Congresso Nacional. Em 1994 FHC possuía 384 parlamentares em sua base e 116 na oposição[3], em 1998 esta proporção era de 390 para 109, em 2002 no início da gestão de Lula a base aliada era de 337 parlamentares contra 154 dos partidos opositores (PFL e PSDB, basicamente). Mesmo tendo o Brasil enfrentado diversos problemas econômicos (internos e externos), estruturais e sociais após a CF 88, o presidencialismo de coalizão é utilizado para explicar como o país conseguiu manter um ambiente de razoável estabilidade política e governabilidade. Por outro lado, se ele permite um elevado índice de governança por concentrar os poderes de agenda e veto nas mãos de agentes da situação, argumenta-se que esta concentração de forças impede o desenvolvimento de mecanismos de accountability horizontal e diminui a densidade democrática da representação (ANASTASIA, 2002, p. 12). A fiscalização do Executivo pelo Legislativo é prejudicada, pois com uma ampla maioria de congressistas, qualquer iniciativa investigativa pode ser repelida ou manipulada. Isto se reflete diretamente sobre o nível de democracia existente no país, um Congresso onde a atividade política é regularmente pautada pelo Executivo, os representantes dos eleitores no Parlamento deixam de debater os temas de interesse da sociedade para se aterem aos de interesse governamental, o que nem sempre traduz fielmente as demandas da população. Existe aí um dilema a ser respondido pelos atores políticos nacionais, como produzir uma igualdade entre estabilidade política e a prestação de contas dos representantes a seus representados, permitindo um aperfeiçoamento e aprofundamento da democracia no país? Onde se pondere sobre os métodos utilizados pelos governos para construir uma base parlamentar de apoio e a necessidade do Executivo de aprovar sua agenda junto ao Legislativo.
Notas [1] De acordo com o estabelecido no Art. 62 da CF a MP tem validade de trinta dias, após este prazo ela deve ser reeditada ou votada pelo Congresso, caso contrário pede sua validade. [2] Quem procura obter vantagem e favores de qualquer natureza am troca de apoio ao governo. [3] Não foram considerados os partidos com menos de cinco deputados.
Referências ABRANCHES, Sérgio H.. Presidencialismo de Coalizão e Crise de Governança. Conjuntura Política. Belo Horizonte, Associação Brasileira de Ciência Política. ABCP; Departamento de Ciência Política, n.26, jun. 2001.
ANASTÁSIA, Fátima. Poder Legislativo, accountability e Democracia. Belo Horizonte: MG. UFMG, 2002.

Cláusula de Barreira e Seus Efeitos Sobre o Quadro Partidário na Câmara dos Deputados

Gráfico: Folha Online
O principal mecanismo para criar obstáculos à alta fragmentação partidária (multipartidarismo) citado pela literatura especializada é a ‘cláusula de barreira’, também conhecida como ‘de exclusão’ ou ‘de desempenho’. Ela consiste na proibição da representação ou da existência de um partido quando este não tenha alcançado um determinado número ou percentual de votos em uma eleição de âmbito nacional (CARVALHO, 2003, p. 03). No Brasil ela foi inserida na legislação por meio do código eleitoral de 1950, que ainda não mencionava valores percentuais, e previa que os partidos que não obtivessem ao menos 50 mil votos em um pleito nacional, ou não elegessem pelo menos um representante para o Congresso, tivesse seu registro cassado. Como muitas leis no país, a cláusula de exclusão teve sua aplicação obstruída por diversas disposições posteriores, que previam que sua execução fosse implementada em uma eleição subseqüente, a sucessão de medidas desta ordem significou na não aplicação deste dispositivo por muitos anos. Durante a elaboração da CF de 88 este mecanismo foi desconsiderado, sendo omitida qualquer menção sobre a exigência de um percentual de exclusão partidária no texto constitucional. Nos anos seguintes a multiplicação de legendas se intensificou, levando nossos legisladores a mais uma vez considerar a adoção de uma cláusula de barreira para frear esta tendência. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1995 (Lei Nº 9.096/95), em seu Art. 13 institui novamente uma porcentagem mínima de desempenho para que partidos tenham o direito de ter um representante no Congresso, o texto considera que: “Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as casas legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”. Apesar de proposto em 1995, este dispositivo somente terá eficácia a partir da eleição de 2006, devido a uma regra de transição contida no Art. 57 da própria Lei Nº 9.096/95, cujo propósito seria amenizar o impacto da aplicação da cláusula de barreira. Ela propicia que partidos que até 1995 tinham seu registro definitivo junto ao TSE e tivessem elegido pelo menos um deputado federal em duas eleições consecutivas, fossem condicionados a um parâmetro de desempenho mais brando que o exposto no Art. 13, como podemos observar: Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte: I - direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a partir de sua fundação, tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representantes em duas eleições consecutivas: a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos; Consideraram os parlamentares que o período de duas legislaturas seria suficiente para que o sistema partidário no país se adequasse à nova regra. Caso a cláusula de exclusão expressa no Art. 13 fosse válida já para a eleição de 1998 ela modificaria em muito o quadro partidário na Câmara dos Deputados, ao invés de dezoito partidos, apenas sete obteriam representação, porém o número de partidos efetivos[1] passaria de 7,1 para 6,1. Ao invés de termos um quadro partidário na Câmara excessivamente fragmentado, ocorreria uma concentração da distribuição das cadeiras entre seis ou sete partidos (possivelmente PFL, PMDB, PSDB, PT, PPB, PTB e PDT). A redução no número de partidos na Câmara tem argumentos favoráveis e contrários à sua implementação. Em geral os defensores desta regra consideram que um número menor de partidos tornaria a relação entre Executivo e o Legislativo mais eficiente, diminuindo em muito os custos com a criação de uma coalizão de governo na Câmara. Essa hipótese mostra-se frágil, se considerarmos que, o número de partidos efetivos sofreria pouca alteração. No cenário fragmentado atual, os micro e pequenos partidos não possuem nenhum poder sobre o ordenamento legislativo, que é controlado pelos grandes e médios partidos. Mesmo que as menores agremiações não tenham representantes na Câmara, é provável que o Executivo ainda tenha de imprimir esforços para que suas proposições sejam aprovadas, valendo-se de artifícios heterodoxos como a distribuição de cargos e a liberação de verbas para as emendas dos deputados. A Câmara possui 513 deputados, para que um governo possa garantir a aprovação de projetos de lei ordinária é necessário o apoio de 257 parlamentares[2], como nenhum partido certamente não atingiria este número sozinho, o governo teria de construir uma coalizão partidária, utilizando então, os expedientes heterodoxos já mencionados. Outro argumento favorável à redução no número de partidos, é que ela tornaria a disputa partidária mais clara e coerente para o eleitorado. O excessivo pluralismo partidário oferece ao eleitor um panorama confuso, se a quantidade de candidatos é inflada por um número bastante diverso de partidos fica mais difícil para o eleitor analisar quem melhor lhe representaria, causando uma perplexidade na escolha em virtude da superabundância de oferta (CINTRA, 2005, p. 13). Um terceiro ponto a favor da cláusula de desempenho diz respeito à possibilidade que a legislação oferece aos partidos de se organizarem apenas para ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao horário gratuito em rádio e televisão, permitindo-lhes negociar seu apoio a este ou aquele candidato, ou servir de veículo a candidaturas apartidárias, de populistas e demagogos (CINTRA, 2005, p. 21). Os partidos existentes passariam a ter um tempo maior de propaganda eleitoral, podendo aprofundar a apresentação de suas propostas e evidenciar suas diferenças, proporcionando mais qualidade ao embate eleitoral.Aqueles que se opõem à utilização da cláusula de barreira de 5%, argumentam que se por um lado a ela dificulta a existência de partidos fisiológicos, ela também impede que muitos partidos com notória consistência ideológica e de longa história, tenham a oportunidade de eleger seus candidatos. É o caso do PC do B, do PPS (sucessor do antigo PCB) e do PSB, que já participava da cena política antes de 1964. Partidos novos de reconhecido conteúdo programático, como o PV, também sofreriam com esta norma (CARVALHO, 2003, p. 10), à exceção do PT e do PDT, praticamente todos os partidos de esquerda seriam afetados por esta medida. Seus opositores consideram também que ela concentraria ainda mais o poder político nas mãos dos maiores partidos, todas as maiores legendas se beneficiariam com um número maior de deputados. Se utilizarmos a eleição de 1998 como exemplo para a aplicação do dispositivo, veríamos que o PFL na ocasião elegeu 105 deputados e no cenário hipotético teria 126, o PSDB que originalmente possuía 99 cadeiras passaria a ter 108, o PMDB de 83 deputados subiria para 106 e o PT que elegeu 58 teria na simulação 67. Ainda analisando este aspecto, observa-se que ela teria um impacto negativo também sobre o grau de desproporcionalidade médio (D), ele passaria de 7,1% no cenário real para 16,5% no simulado, isto significa que o PFL, por exemplo, que recebeu 17,3% dos votos em 1998 conquistaria 24,6% das cadeiras na Câmara, se a cláusula de 5% fosse empregada. Podemos concluir que o emprego de um percentual mínimo de desempenho eleitoral reflete em uma diminuição da fragmentação partidária, contudo, sua adoção pode tornar a disputa política dominada pelos grandes grupos partidários, inviabilizando a representação de partidos menores, o que em certos casos deixaria as minorias da sociedade sem uma representação característica, tendo suas demandas diluídas na panacéia de reivindicações dos maiores partidos.
Notas [1] O número de partidos efetivos (N) é calculado por meio da equação N=1/ (1-Âpi2), p é a proporção de votos de cada partido para a Câmara dos Deputados. [2] Em caso de temas constitucionais é necessária o aprovação de 3/5 dos deputados.
Referências
CARVALHO, Kátia de. Cláusula de Barreira e Funcionamento Parlamentar. Estudo, Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003. CINTRA, Antônio Octávio. A Proposta de Reforma Política: prós e contras. Estudo, Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2005.