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A Instituição da Fidelidade Partidária

Para que um indivíduo possa concorrer a um cargo eletivo é indispensável que ele seja filiado a um partido político, para todos os integrantes de um partido o estatuto partidário serve para orientar sua relação com a legenda. Mesmo quando eleitos para um cargo, o estatuto partidário ainda deveria servir de norte para suas ações, mas não é isto que acontece. O Art. 17 § 1º da CF de 88 estabelece que o estatuto partidário além de definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, crie também normas de disciplina e fidelidade partidária. Em geral os estatutos versam somente sobre a disciplina partidária, enumerando direitos e deveres aos filiados, omitindo restrições quanto à mudança de partido. A ausência de regras claras e criteriosas quanto à fidelidade partidária, permite que a mudança de partido seja comum no regime legislativo brasileiro, uma média de 30% dos deputados mudam de partido a cada legislatura (MACIEL, 2004, p. 5). O principal entrave a esta conduta é constitucional, o Art. 15 da CF veda a cassação dos direitos políticos quando não for caracterizado um motivo grave, como acusação criminal transitada em julgado ou crime de improbidade administrativa. Desta forma qualquer dispositivo que puna o abandono voluntário de partido (salvo os casos de formação de uma nova legenda) com a perca de mandato deve ser elaborado como emenda à Constituição, necessitando a aprovação de três quintos dos parlamentares, tanto na Câmara como no Senado[1]. A pouca normatização relacionada à migração partidária não reflete a gravidade que o tema tem para a trâmite legislativo e o sistema político em geral, como bem coloca Carlos Ranulfo F. Melo: “Transformada em prática corriqueira e ocorrendo em escala significativa, a troca de legenda tem introduzido um elemento de instabilidade no interior do legislativo, criando obstáculos à consolidação do sistema partidário, comprometido a representatividade do sistema político e contribuindo para acentuar o desgaste dos partidos, como instituição, perante a sociedade” (2003, p. 340). A mudança de partido altera a representação obtida nas eleições à revelia da vontade do eleitorado, como o voto dado a um partido acaba sendo transferido indiretamente para outro após as eleições, há uma diminuição da representatividade do regime democrático no país. Apesar desta prática ser demasiadamente comum em nosso sistema legislativo, isto não passa despercebido aos olhos de alguns parlamentares que, contrários ao mal uso que muitos de seus colegas fazem da possibilidade de mudança de partido, apresentam projetos visando modificar esta situação. Na 51º legislatura foram elaboradas 17 propostas relacionadas à fidelidade partidária, onze delas como Propostas de Emenda à Constituição, cujo conteúdo se refere principalmente sobre a adoção de penalidades para os parlamentares que trocarem de legenda, prevendo até mesmo a perca de mandato, como a PEC Nº 242 de 2000. As outras seis proposições sobre o tema foram feitas na forma de Projeto de Lei, onde o enfoque recai sobre o prazo de filiação partidária e não sobre a perda do mandato. No PL Nº 195/99 de autoria do Deputado Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que altera o Art. 18 da Lei nº 9.096/95, ampliando para três anos o prazo de filiação partidária com o fim de concorrer a cargo eletivo (AMORIM & CINTRA, 2003, p. 8s). O Senado também contribui para a discussão apresentando suas iniciativas, a de maior destaque é de autoria do líder do PFL, Senador Jorge Bornhausen. O Projeto de Lei do Senado Nº 187 de 1999, estabelece o prazo de quatro anos para aqueles que tenham trocado de partido concorrerem a cargo eletivo. Estas iniciativas de instituir dispositivos de fidelidade partidária na legislação, conta com a aprovação da maioria do eleitorado, em pesquisa realizada pelo Instituto Brasmarket entre 2001 e 2002, 65,7% dos entrevistados eram a favor de regras que limitassem a migração partidária (MACIEL, 2004, p. 14). Os prejuízos causados pelo alto índice de migração partidária são evidentes, e levantando dados sobre o assunto não encontrei posições ou argumentos favoráveis à sua manutenção e como podemos verificar, a questão da fidelidade partidária possui projetos em trâmite no Congresso e conta com uma opinião favorável da população, a questão que se coloca é, porque então até o momento não existe um projeto aprovado regulamentando e estabelecendo limites à troca de partidos? A razão não seria o poder de veto do contingente de parlamentares que trocam de partido, ou mesmo a possibilidade destes se mobilizarem contra uma mudança na legislação. Segundo Melo (2003, p. 341) o principal fator para que os projetos sobre disciplina partidária não sejam aprovados é que a agenda parlamentar é centralizada no circuito Executivo / mesa diretora / colégio de líderes, e não havendo um consenso entre as partes o processo fica obstruído. Outro importante fator diz respeito ao destino do parlamentar migrante, nas últimas legislaturas os grandes partidos tem disputado a preferência destes deputados, particularmente os que oferecem apoio ao Executivo, demonstrando que a possibilidade de mudança de legenda já não faz parte apenas do cálculo racional do político, mas institucionaliza-se, na medida que os governos federais consideram esta prática no momento de formarem suas maiorias parlamentares no Congresso.
Nota
[1] Como rege o procedimento legislativo, que requer a aprovação das duas casas para que uma medida seja submetida à sanção presidencial e passe a ter validade.
Referências AMORIM, Miriam C. de Melo.; CINTRA, Antônio Octávio. Histórico de Reformas: as reformas políticas e a Câmara dos Deputados. Relatório Especial, Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003. MACIEL, Elaine Cruxên Barros de Almeida. Fidelidade Partidária: um panorama institucional. Textos para discussão 9. Consultoria Legislativa. Brasília: Senado Federal, 2004.
MELO, Carlos Ranulfo F.. Migração Partidária na Câmara dos Deputados.In: BENEVIDES, Maria Victoria: VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Org’s). Reforma Política e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

Infidelidade Partidária: o mandato como moeda de troca do parlamentar

Primeiramente é necessário fazer uma distinção entre disciplina e fidelidade partidária. A primeira se refere à concordância dos parlamentares em relação aos seus líderes partidários, e contrariando a noção popular estudos mostram que os partidos apresentam grau de coesão interna suficiente para tornar a ação do plenário previsível (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999, p. 516). Contribuem para esta tendência, o poder que o Executivo tem de determinar a agenda amparado pela base parlamentar que lhe presta apoio, e a centralização do processo legislativo na mão dos líderes partidários no Congresso. Estes fatores inibem a atuação individual dos parlamentares, pois não vêem possibilidade de sozinhos influenciarem o processo legislativo. Por fidelidade partidária entende-se a permanência de um parlamentar durante seu mandato, no partido pelo qual foi eleito. Ao infringir este princípio ocorre um problema quando consideramos que, apesar do voto no Brasil ser altamente personalizado, o sistema proporcional e a fórmula eleitoral utilizados nas eleições para deputados faz com que a maioria dos eleitos devam seu sucesso ao conjunto da votação do partido ou coligação, não apenas ao seu próprio desempenho. Contam para sua eleição não apenas os votos que recebeu, mas também os votos em legenda e os votos dos demais parlamentares, o que evidencia que o mandato não é pessoal, e sim partidário. Na Nova República um fenômeno que atenta contra a fidelidade tem caracterizado as legislaturas na Câmara dos Deputados, o elevado índice de migração partidária. Entre os anos de 1985 e 2001[1], 846 deputados (contando os titulares e suplentes) mudaram de partido, esse número representa que houve uma média de 28,8% de deputados mudando de partido a cada legislatura (MELO, 2003, p. 322). No momento atual o cenário não é diferente, a troca de partido durante o governo Lula tem sido praticamente a mesma da verificada no último governo FHC, entre fevereiro de 2003 e 03 de outubro de 2005 a Câmara registrou 205 movimentações de deputados entre os partidos, número um pouco menor do observado entre fevereiro de 1999 e 03 de outubro de 2001, quando ocorreram 216 trocas (Folha de SP, 04/10/2005). Esta questão se mostra ainda mais problemática se levarmos em conta que muitos parlamentares mudam de partido mais de uma vez durante os quatro anos de seu mandato, no período de 1985 a 2001 foram 1.035 migrações. As trocas de partido ocorrem praticamente durante toda a legislatura[2] mas tendem a serem maiores no 1º e 3º ano, no início do mandato influi sobre o deputado o resultado eleitoral nacional e estadual recente, já no penúltimo são as posições que formarão a próxima Câmara que orienta sua intenção de mudança. A migração partidária existe em todos os partidos, independentemente de sua orientação ideológica dentro do espectro esquerda-centro-direita. Analisando o período de maio de 1985 a janeiro de 1999, verifica-se que 18,9% dos deputados ligados a partidos ‘de esquerda’ (PT, PC do B, PSB e PDT, por exemplo) trocaram de legenda; nos partidos considerados ‘de centro’ ( PMDB, PSDB, PTB e outros[3]) o percentual foi de 21,8%, já nas legendas relacionadas como sendo ‘de direita’ ( PDS, PFL, PRN, PPB, etc.) este número chega a 39,9% de seus parlamentares no período ( MELO, 2000). O índice elevado de migração partidária como vimos trata-se de um fenômeno persistente, verificado em todas as legislaturas pós-regime militar. Como fatores que o favorecem podemos citar primeiramente o baixo nível de preferência partidária entre a população. Como os eleitores não pautam sua decisão de voto levando em conta sua identificação com um partido, os parlamentares entendem que a mudança de agremiação não lhes representará um alto custo político, sentindo-se livres para trocarem de partido como e quando lhes parecer pertinente. Em segundo lugar, as regras que ordenam o processo eleitoral, partidário e legislativo não prevêem nenhuma punição para o parlamentar que troca de partido. Outro fator é o elevado número de opções partidárias, que competem acirradamente entre si para cooptar novos membros, principalmente aqueles que possuem mandato eletivo. Isto, além do evidente fortalecimento da legenda, tem relação com o acesso aos recursos públicos destinados a cada partido, que leva em consideração para sua distribuição a votação total obtida para a Câmara dos Deputados na última eleição realizada. Por fim a mudança de partido é impulsionada pelo interesse do parlamentar em obter recursos, como estes são dominados pelo Executivo e por um grupo restrito de líderes, ele procura a agremiação onde considera ter maior sucesso no atendimento de suas demandas. Estes fatores exercem sobre os deputados um efeito psicológico, fazendo-os refletir levando em conta sua sobrevivência política em face da incerteza quanto ao futuro de sua carreira, e a possibilidade de alteração de sua trajetória partidária sem que haja maiores custos políticos (MELO, 2003, p. 329). Com base neste raciocínio o parlamentar decide se muda ou não de partido. O impacto que as mudanças de partido exercem sobre o sistema político é negativo, dentre outras conseqüências, contribui para a alteração da força dos partidos no Congresso e do grau de representatividade do sistema partidário em seu conjunto.
Notas
[1] Estes anos compreendem a 48º, 49º, 50º e 51º legislaturas da Câmara dos Deputados.
[2] Os prazos de filiação partidária atualmente se encerram um ano antes de uma eleição, o que diminui consideravelmente a migração no último ano de uma legislatura. Até a eleição de 1994 a data limite para a mudança de partido era de seis meses antes da eleição.
[3] Para critério de simplificação na coleta de dados, foram considerados de centro mesmo partidos com inclinação de direita como o PTB.
Referências
FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
Folha de São Paulo. Crise faz oposição crescer 11,5% na Câmara. Caderno Brasil, Página A9. Data: 04 de outubro de 2005.
MELO, Carlos Ranulfo F.. Migração Partidária na Câmara dos Deputados.In: BENEVIDES, Maria Victoria: VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Org’s). Reforma Política e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.