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Financiamento Público de Campanhas Eleitorias: uma alternativa viável?

A menção sobre financiamento público de campanha pode parecer ao entendimento daqueles que não são iniciados no assunto, que no Brasil não exista recursos públicos (lícitos) financiando candidatos e partidos, durante e fora o período eleitoral. Na verdade, as agremiações partidárias e as campanhas políticas recebem hoje benefícios consideráveis, há o Fundo Partidário, subsídios oferecidos aos cargos eletivos para contratar mão-de-obra e publicizar suas atividades e ainda, o Horário Eleitoral Gratuito. Ou seja, os partidos e campanhas contam com diversas fontes de recursos, financiadas pelos contribuintes brasileiros (SAMUELS, 2003, p. 383). Mesmo assim, não faltam projetos no Congresso tratando de financiamento público de campanha, o PL Nº 2.679/03, por exemplo, trata de maneira radical a questão. Propõe o financiamento exclusivamente público, e entre outros pontos estabelece que a alocação de recursos na lei orçamentária em ano eleitoral seja equivalente ao número de eleitores em 31 de dezembro do ano anterior, multiplicado por R$ 7,00. Em números de 2004, este dispositivo poria à disposição das campanhas algo em torno de R$ 800 milhões de reais (CINTRA, 2005, p. 08). Este montante, segundo a proposta, seria suficiente para financiar todas as campanhas eleitorais ao redor do país, mas ao compararmos com o total de gastos estimado pelo jornal “O Estado de São Paulo” para a eleição de 1994, que foi da ordem de 3,5 a 4,5 bilhões de dólares (SAMUELS, 2003, p.371), vemos que há uma discrepância enorme entre os valores. Qual dos dois se aproximaria mais da realidade das eleições no Brasil? Considerando que o projeto de lei vislumbra uma ‘realidade ideal’ e o levantamento do jornal se orientou pela ‘realidade’ das declarações de custos de campanhas entregues ao TSE, provavelmente o maior valor seja o que mais reflete o volume gasto por candidatos e partidos durante o período eleitoral.
Não podemos afirmar com certeza quais os números exatos do montante gasto por partidos e candidatos durante o período de campanha, devido à existência no país de uma subcultura eleitoral, que funciona nos bastidores do poder e foge das estatísticas oficiais, o uso arraigado de ‘caixa 2’. Ou seja, um caixa paralelo, por meio do qual candidatos e partidos podem valer-se de práticas eleitorais clandestinas e ilícitas, para obter vantagens das mais diversas ordens na disputa com seus adversários de pleito. Certamente o financiamento público exclusivo de campanha não conseguiria acabar com esta prática (SAMUELS, 2003, p. 384), sem que pelo menos outras medidas paralelas fossem tomadas, visando a construção de um marco jurídico eficaz. Uma legislação eficiente, com limites para as contribuições de campanha, menores do que são praticados atualmente; estabelecendo maiores penas por violações à lei eleitoral; e uma reformulação das normas tributárias e bancárias que desestimulasse a manutenção de somas de dinheiro não-contabilizados por pessoas físicas e jurídicas. A formação deste marco jurídico sério é importante primeiramente para que se evite o abuso e a compra de influências nos partidos políticos por parte de grupos de interesse ou indivíduos endinheirados. Em segundo lugar, ele estabeleceria um campo de jogo político equilibrado para a competição entre os partidos. Terceiro, ele dotaria o eleitorado de poderes de fiscalização, mediante normas de publicização de gastos eleitorais. Quarto, haveria um desenvolvimento e um fortalecimento dos partidos, para que se convertessem em atores mais responsáveis pela lisura do processo eleitoral, em apoio a uma democracia sustentável e efetiva. Por fim, um marco jurídico é importante para assegurar um ‘mínimo de racionalidade’ no uso dos recursos públicos destinados a financiar atividades político-eleitorais (ZOVATTO, 2005, p 293).
A ausência de um marco jurídico eficaz, a cultura política clientelista e personalista nacional e o contexto institucional atual, levam Samuels a considerar que “o proposto financiamento público de campanha criaria mais problemas do que aqueles que teoricamente resolveria” (2003, p. 387). Como alternativa à fragilidade do fundo publico exclusivo para campanhas, ele aponta duas sugestões, com o objetivo de tornar o processo mais transparente e reduzir a capacidade que hoje um grupo pequeno de pessoas e empresas têm de influenciar no processo político-eleitoral. A primeira proposta, em consonância com Daniel Zovatto, seria a redução da quantia máxima permitida para as contribuições de pessoas físicas e jurídicas e a segunda seria obrigar os candidatos a informar os gastos e as receitas com freqüência durante o processo eleitoral (SAMUELS, 2003, p. 388s). Como podemos verificar a proposta de reforma visando a regulação do poder econômico sobre as eleições possui diversos problemas, mas se é verdade que o financiamento público exclusivo para campanhas não corresponde ao que a realidade eleitoral brasileira carece, o contrário também não pode ser posto em prática. Um sistema baseado exclusivamente no financiamento eleitoral privado também seria problemático, solidificando o monopólio que as empresas exercem sobre as doações de campanha. Para que existam eleições “limpas” no Brasil, sem a incidência de interesses corporativos e pessoais o caminho parece ser longo e passa inevitavelmente por uma reformulação legislativa ampla, atreladas a mudanças culturais e institucionais.
Referências
CINTRA, Antônio Octávio. A Proposta de Reforma Política: prós e contras. Estudo, Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados, 2005.
SAMUELS, David. Financiamento de Campanha e Eleições no Brasil. In: BENEVIDES, Maria Victoria: VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Org’s). Reforma Política e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
ZOVATTO, Daniel. Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada. Opin. Publica, out. 2005, vol.11, no.2, p.287-336. ISSN 0104-6276.

A Influência do Poder Econômico Sobre as Eleições

A legislação referente ao financiamento de campanhas eleitorais procura regulamentar as contribuições destinadas aos partidos, estabelecendo procedimentos para o controle e a fiscalização destes recursos, ela ainda versa sobre proibições e limite de gastos, como também, sobre penalidades e inelegibilidades por abuso ou influência do poder econômico (BAKES, 2000, p.2s). No Brasil ela passou a receber mais atenção na década de 1980, quando o recente pluralismo político passou a acirrar as disputas pelos cargos eletivos, refletindo em aportes de quantias cada vez maiores nas campanhas eleitorais. As principais normas em vigor naquele momento estabeleciam algumas punições quanto à interferência econômica nas eleições. A EC Nº 14/65 tratava da inelegibilidade dos que abusassem do poder financeiro durante as campanhas; o Código Eleitoral de 1965 (Lei Nº 4.737/65) também previa penalidades àqueles que fossem flagrados oferecendo benefícios aos eleitores[1]; e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos vigente (Lei Nº 5.682/71) vedava que os partidos recebessem recursos de empresas privadas de finalidade lucrativa e de entidades de classe ou sindicais, uma inovação desta lei foi a criação do Fundo Partidário[2], como uma medida mitigadora da influência que interesses econômicos privados exercem sobre a política. Contudo, com a crescente complexidade do sistema eleitoral e a sofisticação dos métodos de organização de campanhas, as restrições existentes se mostraram insuficientes para inibir a influência do poder econômico sobre as eleições. A CF de 88 poderia ter sido um marco no que se refere à legislação eleitoral, mas a preocupação dos legisladores estava voltada para questões como a organização política e a normatização financeira e social do nascente Estado democrático brasileiro, sendo assim, ela aborda a questão somente no Art. 14 e de modo superficial, requerendo lei complementar posterior. Esta necessidade ficou mais evidente quando em 1992 o então Presidente da República, Fernando Collor de Mello, enfrentou um processo que resultou no impedimento de seu mandato e na cassação de seus direitos políticos por oito anos. No centro do escândalo estava Paulo César Farias, seu tesoureiro de campanha, que entre outras coisas, havia recebido doações ilegais durante o período eleitoral e traficado influência entre o governo e doadores que colaboraram com a campanha. No ano seguinte à cassação de Collor a fragilidade das regras relacionadas ao financiamento de campanhas foi tema de discussões dos parlamentares no Congresso, este movimento resultou na Lei Nº 8.713/93 que incorporava muitas das sugestões formuladas pela CPI do caso PC Farias[3]. Seu caráter era temporário e visava principalmente a regulamentação das eleições que ocorreriam em 1994. A nova Lei dos Partidos Políticos (Lei Nº 9096/95) consolidou na legislação permanente, várias normas relacionadas ao financiamento de campanhas, posteriormente foi votado outro projeto (Lei Nº 9.504/97) que tratava especificamente das eleições. Toda a profusão de leis e mecanismos de controle e fiscalização, não impediu que as competições eleitorais brasileiras sofressem influência do poder econômico, o que pode ser constatado pelo grande volume de doações declarado pelas campanhas. Mesmo que os balanços de campanha declarados no TSE e nos TRE’s subestimem os gastos reais de campanha[4], eles demonstram que eles são bastante altos se comparados com o de outros países. Em 1994 o total estimado dos gastos dos candidatos com a eleição ficou entre 3,5 e 4,5 bilhões de dólares, nos Estados Unidos os candidatos gastaram um valor estimado de 3 bilhões de dólares no total das eleições de 1996 (SAMUELS, 2003, p. 371). O contraste fica ainda mais nítido se levarmos em conta que no Brasil a propaganda no Rádio e TV é gratuita, e nos Estados Unidos ela é paga, o que consome a maior parte dos recursos. A questão que se coloca é porque os investimentos em eleições são tão altos no país, mesmo ele pertencendo à lista das nações subdesenvolvidas? Podemos apontar pelo menos três fatores, o primeiro deles se refere ao sistema eleitoral. A representação proporcional de lista aberta faz com que um candidato a vereador e deputado, dispute uma vaga não apenas com os políticos de outro partido, mas também com colegas de partido e coligação, o que incentiva estratégias individualistas de campanha. Para se diferenciar dos demais, o candidato arrecada e emprega recursos visando a construção de um apoio “personalizado”, com pessoas trabalhando em seu favor em troca de algum benefício. A segunda razão para os gastos de campanhas serem elevados no Brasil se refere à competitividade acirrada de uma eleição, além de competir com adversários de outras legendas e colegas do próprio partido, a cada eleição um candidato enfrenta um número maior de pessoas por vaga. Entre 1982 e 1998 a proporção de candidato por uma vaga a deputado federal mais que dobrou, passou de 3,2 para 6,6. O terceiro fator diz respeito à fragilidade dos partidos do ponto de vista organizacional, carentes de uma estrutura partidária que lhes preste apoio, os políticos tem de construir suas próprias redes de captação de votos, recorrendo muitas vezes a práticas clientelistas de distribuição de benefícios. Sob o aspecto formal a legislação permite pelo menos três formas de financiamento de uma campanha, a individual, a partidária e a empresarial, destas a que mais contribui com doações para eleições em todos os níveis de cargos é a classe dos empresários. Na medida em que aumenta a importância do cargo, cresce a participação empresarial no aporte de recursos de uma campanha. Para deputados federais a média[5] de contribuições de empresários para cada candidato gira em torno de 59% dos recursos totais arrecadados, já para um candidato a governador ou presidente a classe empresarial tem um participação ainda maior, 77% no primeiro caso e 95% no segundo (SAMUELS, 2003, p. 373). As doações feitas por empresas são praticamente dominadas por três setores, o financeiro (particularmente bancos), o da construção civil (especialmente empreiteiras) e o da indústria pesada (siderúrgicas e petroquímicas, por exemplo). Esta preponderância empresarial nos recursos arrecadados por uma campanha eleitoral indica que os candidatos tendem a manter uma relação pessoal com seus doadores, o que seria dificultado se a maioria das contribuições fosse de origem individual. Outra característica deste domínio é que ele é feito visando um benefício futuro na forma de contratação pelo Estado de serviços oferecidos pelas empresas. O grande volume de dinheiro investido pelas empresas nas campanhas eleitorais no Brasil aumenta em muito seu poder de influência sobre nossos mandatários, propiciando que a classe empresarial tenha mais importância que os demais setores da sociedade na determinação das políticas públicas implementadas no país.
Notas
[1] O Código penaliza a compra de votos (art. 299) e o fornecimento gratuito de alimento e transporte no dia da eleição, com o fim de fraudar o exercício do voto (art. 302), ambos considerados crimes eleitorais e punidos com pena de reclusão e multa. [2] Ele é composto por somas provenientes de multas aplicadas a candidatos e partidos, doações privadas e de dotações orçamentárias. [3] Algumas medidas previstas nesta lei tiveram grande impacto, como a restauração da possibilidade de empresas doarem recursos, sendo estabelecidos limites para estas doações (Art. 38); e a conotação de crime eleitoral com detenção e multa para doações e gastos acima dos limites estabelecidos (Art. 57). [4] A história comprova que as declarações de campanha junto a estas instâncias não refletem o que de fato é investido em uma eleição. Mesmo sendo ilegais, são notórios os casos de “caixa 2” praticados por partidos e políticos, recentemente a investigação da CPMI dos Correios revelou que membros de partidos como o PT, PSDB, PTB, PMDB, PP e PL recorreram a esta prática durante o período eleitoral. [5] Dados referentes às eleições de 1994 e 1998.
Referências
BAKES, Ana Luiza. Legislação sobre o financiamento de partidos e campanhas no Brasil, em perspectiva histórica. Estudo, Consultoria Legislativa. Brasília: Câmara dos Deputados. 2001.
SAMUELS, David. Financiamento de Campanha e Eleições no Brasil. In: BENEVIDES, Maria Victoria: VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Org’s). Reforma Política e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.