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Corrupção, Participação e Cultura Política no Brasil

Na política o bem e o mal se distinguem por meio das ações do indivíduo, ao agir em benefício da coletividade o ato possui uma conotação positiva, por outro lado, quando a pessoa atua visando atender seus próprios desejos apenas, em detrimento do bem comum, esta ação passa a ser vista com um sentido negativo. Quanto mais pessoas estiverem motivadas pelo bem comum, mais transparente e eficiente o processo político será, o contrário também é verdadeiro, se a maior parte dos que participam da política colocarem seus objetivos pessoais acima dos da comunidade, o processo político será nebuloso e ineficiente. A política não é uma área privada onde os participantes trabalham unicamente em prol de seus interesses, ela é pública, no sentido de que o fruto das ações não visa o indivíduo, mas o coletivo. A péssima distribuição de renda no Brasil, a ineficiência de nossos serviços públicos, o sucateamento da infra-estrutura do país, entre outros elementos de nossa realidade subdesenvolvida, fazem-nos crer que na política brasileira existem muitos indivíduos que não prezam pelo bem-estar de nossa sociedade, mas visam predominantemente aferir benefícios pessoais. Certamente, isto não é uma exclusividade brasileira, os políticos de outros países também se deparam com a possibilidade de utilizar seu cargo público para o bem comum ou para seu próprio benefício, sendo assim, o que além de pessoas mal intencionadas, contribui para que no Brasil a prática política não seja fator de promoção de igualdade e melhoria das condições sociais e econômicas? Acredito que dois fatores influenciam para esta realidade, o primeiro deles é a cultura política brasileira e o outro, que é decorrente do primeiro, o sistema legal que rege os processos políticos e fundamenta as instituições no país. Historicamente a política no Brasil está dissociada da participação da população e da influência desta sobre o processo decisório. No período colonial as regras eram formuladas pelo Rei português, cabendo aos brasileiros se sujeitarem a elas sob pena de sofrerem as sanções da metrópole. Com a independência em 1822 o espaço para a participação de brasileiros na tomada de decisões aumentou, mas ainda estava restrito ao um seleto grupo de “homens bons”, à aristocracia governante, que mesmo assim, se submetiam ao poder moderador do imperador. Com a proclamação da república em 1889, o poder não estava mais sob o domínio de uma pessoa apenas, contudo, ele ainda não era reflexo dos desejos da maioria dos brasileiros, pois estava dominado por elites oligárquicas regionais, que impunham sua vontade nos governos estaduais e se alternavam na condução do governo federal. No decorrer do século XX, a participação da população na política nacional não é linear, houve avanços, mas também retrocessos como o Estado Novo em 1937 e o golpe militar de 1964. Na década de 1980, com o fim da ditadura militar e a redemocratização do país, uma tendência universalista se fortaleceu, ampliando os direitos aos benefícios sociais para toda a população, como o acesso à previdência, e também os direitos políticos, como a inclusão dos analfabetos no processo eleitoral. A constituinte de 1988, a sucessão de eleições diretas a partir de 1989, tornou a política mais acessível ao cidadão comum, entretanto a participação ou mesmo a influência da maioria da sociedade no processo decisório, ainda é incipiente, excluindo os períodos eleitorais, ela está restrita a eventos esporádicos como o impeachment de Collor em 1992, o plebiscito sobre o sistema de governo em 93 e o referendo do desarmamento em 2005. A cultura política brasileira não possui tradição quanto à possibilidade de participação popular, o que permite que o processo político ocorra muitas vezes à margem dos interesses da sociedade. Um segundo aspecto que contribui para que no Brasil a política não seja capaz de melhorar nossas condições sociais e econômicas, é uma legislação pouco eficiente, em particular o direito penal e eleitoral. As leis no país aparentemente não estão orientadas para satisfazer as demandas da sociedade, mas sim para assegurar a manutenção do poder por uma elite dirigente, a classe política. O histórico de pouca participação popular na política brasileira e o acanhado controle que a sociedade em geral exerce sobre a atividade dos políticos, permitiu que no passado os legisladores e dirigentes elaborassem um sistema legal favorável aos seus interesses, e que em muitos casos prejudica o cidadão comum. Por exemplo, sobre o pretexto de permitir ao indivíduo que incorreu em algum crime o direito de ampla defesa, criou-se a possibilidade de perpetrar sucessivos recursos, isto claramente beneficia o criminoso que possui capital para contratar advogados que conseguem protelar sua sentença por longo tempo, ao passo que o cidadão de baixa ou nenhuma renda está fadado a encarar o rigor da lei, mesmo que seu ato de ilegalidade tenha sido cometido para sanar sua fome, não motivado por ganância ou maldade. Esta discrepância no modo como as leis são aplicadas, contribui para a falta de credibilidade do sistema judiciário brasileiro, disseminando uma sensação de impunidade entre a população, que assiste ao “ladrão de galinha” ser preso e o grande assaltante dos cofres públicos aguardar o julgamento em liberdade. Estas e outras situações minam a moral da sociedade, desconstroem a ética do indivíduo, contaminam as atividades institucionais e fazem com que a corrupção se torne prática comum na administração pública, o que certamente impede o país de desenvolver-se plenamente e assim sanar seus problemas sociais e estruturais.
O passado nos mostrou que sem o acompanhamento da sociedade da prática política, nossos dirigentes podem ceder a seus impulsos mesquinhos e individualistas, legislando em causa própria não em prol do bem comum. Uma maior prestação de contas pelos políticos de suas atividades, publicização de suas decisões, transparência dos processos institucionais, penalização efetiva dos crimes envolvendo dinheiro público, estas e outras ações podem tornar a arena política mais propícia para o desenvolvimento de condições que permitam a melhora dos padrões de vida da população. Tal condição somente será atingida se as pessoas participarem ativamente da vida política em nosso país, sem esperar que o exemplo venha “de cima” apenas, mas também procurando transformar a realidade a partir “de baixo”.

Ciência, Política e Maquiavel

Há várias formas de se atingir o conhecimento, a mais antiga e também mais usual é a que se fundamenta por meio da experiência ou vivência pessoal, que se expressa através do “senso comum” uma espécie de entendimento coletivo e superficial do mundo, que é repassado às sucessivas gerações pela tradição e cultura de uma sociedade. Apesar de ser a forma mais utilizada pelos indivíduos para conhecerem a realidade que os cerca, ele contém limitações. Por não se tratar de um processo organizado e racional de conhecimento, o “senso comum” não se constitui um método para se estudar a natureza das coisas. Há ainda outras formas de conhecimento que se condensam e geram uma organização, como a arte, a literatura, a religião, entre outras, que também geram saber, mas somente em alguns casos se constituem como uma ciência. Isto porque a ciência busca organizar o estudo empírico para se chegar ao conhecimento da realidade, ela permite uma relação técnica com a natureza, possibilitando ao homem entender e comprovar os fenômenos naturais e fatos societais, capacitando-o a interagir com estes e em certa medida controlá-los. A ciência caracteriza-se por ser um processo objetivo de conhecimento, com um método próprio, pautado pela observação, investigação, experimentação e comprovação e uma linguagem própria, a técnica. Na história da humanidade, a gênese da ciência moderna coincidiu com o fim de quase um milênio de obscurantismo da idade média e o advento da Renascença nos séculos XIV e XV, nos centenários seguintes muitas áreas do conhecimento progrediram e alcançaram o status de ciência, como a física, a química, a economia, a sociologia, entre outras. No século XX o estudo científico se diversificou intensamente, surgiram muitos outros setores de pesquisa, que passaram a contemplar praticamente a totalidade dos fenômenos e fatos da realidade. Ao passo que surgiam novas vertentes do estudo científico, aumentava também a necessidade de dedicação exclusiva a cada ciência. Os estudiosos na Renascença detinham pleno conhecimento em várias áreas, no século passado este perfil se modificara, devido a sucessivos e profusos avanços os cientistas passaram a se especializar em uma determinada área, buscando dominar sua teoria e técnica, a fim de sempre estar a ratificar ou retificar suas conclusões. Por fim,o homem da ciência precisa evitar os “juízos de valor” e limitar-se em desvendar os mistérios da natureza, pois pode comprometer a objetividade de seu trabalho se este estiver permeado por posições políticas e ideológicas. Como escreve Max Weber “sempre que um homem de ciência permite que se manifestem seus próprios juízos de valor, ele perde a compreensão integral dos fatos” (WEBER, 2002, p. 47). O termo política surgiu na Grécia Antiga derivado do adjetivo originado de pólis (polítikós), que significa o que se refere à cidade e, conseqüentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social (BOBBIO & MATTEUCCI, 1998, p. 954). Para entender seu significado, não basta conhecer a etimologia da palavra é mister compreender o valor que a comunidade dava à política. Na Antigüidade Clássica grega ela referia-se à vida pública existente na Ágora, as relações sociais que eram estabelecidas em seu seio e ao discurso corrente naquela sociedade. Em geral, estava em discussão decisões a respeito do destino da cidade e dos cidadãos, por envolver aspectos decisionais a política está intimamente ligada às deliberações a cerca de uma forma de poder, de quem o detém, a quem se aplica, como ele é exercido. Neste sentido a política pode ser identificada não apenas na sociedade grega, mas também em outras, sejam elas mais primitivas ou mais avançadas, pois seus elementos podem ser identificados em vários aspectos da vida humana, como a vida em sociedade, a família, a religião, o trabalho e o comércio. Esta relação que a política possui com o poder, se verifica de modo mais claro e sistemático por meio do Estado, entendido como uma forma de organizar o poder dentro de uma sociedade, não obstante o posterior conceito de “Estado Nacional” a que se agrega as concepções de território e cultura, o Estado se torna a partir do Renascimento o lócus privilegiado de estudo da política e do poder. Dentro desta análise outras discussões adquirem relevância, como a finalidade do poder político, o domínio e uso da força/coação e a relação amigo/inimigo. Na tradição clássica os conceitos de política e Estado possuem a mesma extensão, mas ao incorporar novos elementos, a categoria de política é hoje mais abrangente que a de Estado, porém ainda menos ampla que a esfera social. Durante séculos, a chamada ciência política não foi uma “ciência” no sentido moderno da palavra, mas uma “arte do governo” voltada para os governantes que consistia em preceitos sobre o melhor modo de conquistar e manter o poder (BOBBIO, 2000, p. 390). Apesar de muitos pensadores antes de Maquiavel terem escrito sobre a política, ele é comumente intitulado o precursor da ciência política porque no seu célebre livro “O Príncipe” utilizou uma abordagem realista da questão, diferenciando-se de antecessores como Aristóteles que empregavam uma concepção idealista, e também de seus contemporâneos como Thomas Morus que elaborou o conceito de utopia. Maquiavel havia sido um alto funcionário do governo republicano da cidade de Florença, norte da atual Itália, de 1498 a 1512, e utilizou a experiência concreta no trato da coisa pública, a observação apurada do processo político e o estudo da história, para formular sua teoria própria da arte de governar e lançar as bases da ciência política moderna. Em “O Príncipe”, Maquiavel identifica e discorre sobre aspectos da práxis política que doravante seriam longamente discutidos e utilizados. Entre outras questões pondera que o governante necessita contar com a virtude (virtú), a sorte (fortuna) e a oportunidade (occasione) para ter um bom desempenho. Analisa as formas de governo (república e principados – hereditários ou adquiridos), o domínio e o uso da força, questões que seriam fundamentais para estabelecer suas propostas de como se atingir e manter o poder. Desta forma, ele iniciava o estudo dos fenômenos políticos tendo como base uma metodologia que posteriormente viria a constituir a ciência política moderna. Referências BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1998. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Martin Claret. 2002.