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O Advento de Novas Formas de Gestão de Políticas Públicas no Brasil

Diante das exigências do mundo contemporâneo as administrações públicas municipais têm procurado adaptar-se, adotando novos modelos de organização, e diferentes práticas de gestão de políticas públicas. Estas mudanças estão em consonância com as transformações pelas quais passou a organização do Estado brasileiro nas últimas duas décadas. O marco inicial desta transformação foi a promulgação de uma nova Constituição Federal em 1988, que tinha como objetivo reformular o aparato legal e institucional herdado da ditadura militar (1964-1985) e fundamentar o processo de redemocratização no país. Além da mudança de regime político, este momento de nossa história possibilitou também a emergência de novas formas de gestão, inseridas dentro de dois modelos principais, a democracia participativa e o gerencialismo (new public management). Estes modelos tinham como objetivo a solução da crise fiscal na qual se encontravam os diferentes níveis de governo, a superação do regime demasiadamente burocrático instaurado no país e a melhoria do desempenho da prestação de serviços (MARINI, 2003, p. 81). O aumento da participação popular na tomada de decisão pode ser verificado já no processo de construção da nova constituinte. Os setores mais organizados da sociedade civil, particularmente as organizações religiosas, contribuíram ativamente para que fossem incluídos no texto constitucional mecanismos de democracia direta como o plebiscito, a iniciativa popular de lei e o referendo (LYRA, 1999, p. 25). No âmbito municipal sugiram novos espaços e canais de participação popular, como os conselhos gestores de políticas públicas e o orçamento participativo. Este modelo democrático-participativo estimula a organização da sociedade ao permitir que os cidadãos possam influenciar no processo de formulação e implementação de políticas públicas. Ao aproximar a sociedade da organização estatal, a democracia participativa gera um maior comprometimento da população com os assuntos de ordem pública, um aumento do controle da sociedade sobre a atuação dos agentes estatais e conseqüentemente uma maior prestação de contas (accountability) à sociedade das atividades do setor público (FREY, 2007, p. 141). A gestão democrático-participativa está intimamente ligada ao ideário político de esquerda, no Brasil ela é utilizada pelos partidos políticos com esta orientação, em particular o Partido dos Trabalhadores (PT)[1]. O New Public Management[2] é influenciado pelas práticas administrativas do setor privado, basicamente consiste na adequação da gestão pública a métodos e processos utilizados pelas empresas. A experiência gerencial brasileira tem início em 1995 no primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, com o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado[3]”. No âmbito Federal as ações gerenciais foram voltadas para: “a revisão do marco legal (reforma constitucional e da legislação corrente), a proposição de uma nova arquitetura organizacional (agências reguladoras, executivas e organizações sociais), a adoção de instrumentos gerenciais inovadores (contratos de gestão, programas de inovação e de qualidade na administração pública) e a valorização do servidor (nova política de recursos humanos, fortalecimento de carreiras estratégicas, revisão da política de remuneração, realização de concursos públicos e intensificação da capacitação de funcionários, visando promover a mudança cultural)” (MARINI. 2002, p. 47). As reformas preconizadas na esfera Federal repercutiram nos Estados e nos municípios, primeiramente na área financeira com a adoção de novas regras de responsabilidade fiscal que além do aprimoramento da administração tributária e financeira institucional, fortalecia a consciência fiscal da sociedade, que passava a acompanhar mais atentamente a execução dos gastos públicos. O processo de Reforma Gerencial no Brasil ainda está em curso, sendo aprofundado principalmente no âmbito estadual e municipal (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 14). Nestas instâncias o gerencialismo se manifesta geralmente por meio de um planejamento estratégico dos objetivos estatais, da adoção de fórmulas de avaliação de desempenho e pela descentralização de serviços (terceirização). O advento de novas tecnologias de informação e comunicação a partir da década de 1980, principalmente a internet, permitiu um maior compartilhamento do conhecimento e das atividades. Paulatinamente a sociedade tem estabelecido um maior grau de articulação em forma de rede. A ponto dos diferentes setores sociais já não poderem ser encarados somente por uma perspectiva autônoma e estanque, dada a intensidade das relações que estabelecem entre si e o aprofundamento de sua interdependência. De forma análoga, o processo de gerenciamento municipal também amplia a instauração de redes, distribuindo as responsabilidades sobre uma política pública em diferentes áreas da estrutura estatal e estabelecendo parcerias com setores da sociedade civil, demandando uma maior interação entre estes atores. De acordo com Gilles Massardier (2007, p. 173-178) há três tipos de redes de políticas públicas, as “redes de projeto” que são estruturadas em torno de um objetivo específico, as “comunidades de políticas públicas” articuladas em torno de uma das grandes áreas de atuação do setor estatal (educação, saúde, segurança, planejamento, etc.), e as “comunidades epistêmicas” que se reúnem de acordo com os valores, idéias e técnicas compartilhadas por seus integrantes. Um dos benefícios da gestão em rede é a diminuição dos conflitos, já que a concepção por trás de sua formação é o compartilhamento das informações e a ação cooperativa, porém isto não elimina a existência de conflitos entre redes com objetivos e interesses antagônicos. As administrações municipais não contam com um modelo que garanta um maior grau de eficiência e governança diante de todas as situações enfrentadas na gestão de uma cidade. As demandas sociais são questões que adquirem diferentes configurações de uma localidade para outra, com variações até mesmo entre diferentes regiões de um município. Isto faz com que os gestores públicos utilizem métodos diferentes concomitantemente, o que permite uma resposta direcionada para cada demanda particular, potencialmente melhorando a qualidade dos resultados obtidos.  

Referências

BRESSER-PEREIRA, L. C.. Burocracia do estado e Reforma Gerencial. Revista do Serviço Público, número comemorativo dos 50 anos, 2007.
FREY, K.. Governança urbana e participação pública. RAC. Revista de Administração Contemporânea, v. 1, p. 136-150, 2007. LYRA, R. P.. As Vicissitudes da Democracia Participativa no Brasil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 141, p. 23-38, 1999.
MARINI, Caio. O Contexto Contemporâneo da Administração Pública na América Latina. Revista do Serviço Público, v. 53, n. 4, p. 31-51, 2002.
MARINI, Caio (Org.). Gestão Pública: o debate contemporâneo. Salvador: Fundação Luis Eduardo Magalhães, 2003.
MASSARDIER, G.. Redes de Política Pública. In: Políticas Públicas (Col.). Brasília: ENAP, v. 2, p. 161-186, 2007.

Notas
[1] O PT freqüentemente utiliza práticas democrático-participativas ao assumir a prefeitura de uma cidade, como no caso de Porto Alegre, Belo Horizonte e Santos. [2] O modelo gerencial é identificado na política brasileira com as propostas do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Democratas (DEM – antigo Partido da Frente Liberal, PFL). [3] O processo de Reforma do Estado foi antecedido por um plano de estabilização econômica (Plano Real) iniciado em 1994, ainda sob o governo de Itamar Franco, e tendo Fernando Henrique Cardoso como titular do Ministério da Fazenda. O sucesso do Plano foi fundamental para a eleição de Fernando Henrique para a Presidência, e as políticas de reforma formuladas em sua gestão.