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O Advento da Economia Ambiental

A humanidade ao longo da história considerou o meio ambiente e os recursos naturais como dádivas divinas, fontes inesgotáveis de sustento de suas atividades. Tal concepção durante muitos séculos esteve revestida de uma aparente veracidade, pois os impactos gerados pela ação humana não eram demasiadamente intensos, estavam circunscritos a uma região específica e, principalmente, o homem não detinha o conhecimento necessário para compreender os efeitos de sua existência sobre o ecossistema onde vivia. A percepção de que a natureza possuía recursos inesgotáveis e que a ação humana não produzia efeitos nocivos e irreversíveis sobre ela, fizeram parte não apenas do senso comum das sociedades ao longo dos anos, mas até recentemente também estavam presentes no ideário de estudiosos de diferentes campos do conhecimento como a sociologia e a economia. Por exemplo, a teoria marxista e a economia clássica, nas suas correntes tradicionais, consideravam a atividade produtiva e econômica “um processo isolado e auto-sustentado” (MUELLER, 1998, p. 66), que não produziria conseqüências para o meio ambiente, mesmo sendo ele o destino dos mais variados dejetos e resíduos oriundos da indústria e da sociedade em geral.

A partir da década de 1960 a consciência de estudiosos da área econômica passou a aceitar com maior propriedade, noções que considerassem a importância da conservação do meio ambiente e de seus recursos naturais. Em face dos já evidentes reflexos da atividade econômica sobre a natureza e a crescente diminuição das reservas extrativistas e seu impacto sobre a cadeia produtiva, não se podia mais sustentar que o meio ambiente e o sistema econômico não possuíam uma íntima interação (MARQUES; COMUNE, 2003, p. 22). A partir de então, os recursos naturais que anteriormente não eram considerados como um elemento do processo de produção, passaram a integrá-lo, como se pode observar por meio da mudança ocorrida na função de produção. A fórmula clássica de Clobb-Douglas, consistia (SOUZA, 2008):

Y = f ( K, L)

Onde (Y) representa a produção (saída), (K) e (L) respectivamente são o capital e o trabalho (entradas). Com a incorporação das reservas naturais, entendidas também como uma entrada no processo produtivo, e descrita por meio do termo “capital natural” (N), a função modificou-se, passando a ser representada da seguinte forma:

Y = f ( K, L, N)

Além do já citado impacto ambiental proporcionado pela indústria, outros três fatores contribuíram para que a análise econômica passa-se a considerar a dimensão ambiental em suas perspectivas (MUELLER, 1998, p. 67s). Primeiramente, o padrão de consumo das sociedades na década de 1960 e a forma como lidavam com os resíduos dele provenientes geravam um nível de poluição alarmante. Também no final daquela década, o clube de Roma[1] encomenda a um grupo de cientistas do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) uma avaliação de longo prazo para o futuro da economia no mundo. O resultado dos estudos apontou que, mantidos os padrões de crescimento demográfico e consumo, em algumas décadas a sociedade mundial enfrentaria escassez de recursos naturais e elevada degradação ambiental. Outro fator que favoreceu a inclusão da questão ambiental nos debates econômicos foi a elevação do preço do petróleo no início da década de 1970, que contribuiu para a inserção da temática da escassez dos recursos naturais na mídia, ocasionando, em conjunto com outros fatores, uma crescente preocupação da opinião pública sobre assuntos relativos ao meio ambiente e sua conservação e preservação.

A conjunção de diferentes circunstâncias, progressivamente levou a uma maior dedicação de instituições governamentais e organizações multilaterais aos temas ligados à área ambiental, institucionalizando sua discussão na pauta política das nações. O conceito principal que emergiu dos esforços de diferentes pesquisadores e instituições na década de 1980 foi o de “desenvolvimento sustentável. Dentre as diferentes definições do termo que foram produzidas, a mais utilizada é a que consta do Informe Brundtland, formulado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMD) da ONU em 1987, que considera sustentável “o desenvolvimento que atende as necessidades do presente, sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender a suas necessidades” (CMMD, 1988, p.9). Esta definição está de acordo com uma concepção conservacionista de meio ambiente, segundo a qual é possível a utilização responsável dos recursos naturais, o que permite a continuação do uso dos recursos naturais para a manutenção das atividades econômicas, desde que realizada de forma sustentável.

Na medida em que as questões ambientais passaram a ser discutidas com maior intensidade e profundidade no campo econômico, economistas buscaram quantificar a importância dos recursos naturais. Muitas correntes teórico-conceituais se desenvolveram nas últimas três décadas e ainda estão em processo de aprimoramento, alguma delas são a da economia neoclássica, a economia da sobrevivência e a economia ecológica (MUELLER, 1998; MARQUES; COMUNE, 2003; SOUZA, 2008 ). Cada uma delas possui seu valor, embora apresentem abordagens distintas do problema, o debate se uma é mais correta que outra parece não ser apropriado, mais adequado é entendê-las como formas complementares de abordagem, que integradas podem fornecer respostas inovadoras para uma questão tão complexa, quanto são os problemas ambientais atuais.

Referências

Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.

MARQUES, J. F.; COMUNE, A. E.. Economia do meio ambiente: aspectos teóricos. In: Ademar Ribeiro Romero; Bastiaan Philip Reydon; Mara Lúcia Azevedo Leonardi. (Orgs.). Economia do Meio Ambiente: teorias, políticas e a gestão de espaços regionais. 3ed ed. Campinas: IE-UNICAMP, v. 1, p. 21-42, 2003.

MUELLER, C. C.. Uma comparação de duas correntes da economia ambiental - a escola neoclássica e a economia da sobrevivência. Revista de Economia Política, São Paulo - SP, v. 18, n. 2, p. 66-89, 1998.

SOUZA, R. F. P.. Economia do meio ambiente: aspectos teóricos da economia ambiental e da economia ecológica. In: XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2008, Rio Branco. Anais do XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2008.


[1] Grupo constituído em 1968, composto por cientistas, industriais e políticos de diferentes nações européias, com o intuito de estabelecerem discussões e realizarem análises sobre como as alternativas para o desenvolvimento econômico, tendo em vista a crescente utilização dos recursos naturais.

Indicadores de Sustentabilidade

Para que as políticas públicas para o desenvolvimento sustentável possam ser eficazes no seu propósito de propiciar às sociedades atuais níveis satisfatórios de sustentabilidade, elas precisam passam por um processo de avaliação. Tal medida é importante não apenas para que se conheçam os resultados destas políticas, mas principalmente para saber interpretá-los e analisar se os objetivos propostos estão sendo alcançados. Atualmente existe uma diversidade de indicadores, diferentes entre si tanto na metodologia como nos resultados produzem. O emprego eficaz destas ferramentas requer uma análise de como foram formulados e qual é sua finalidade, como observa Lourenço (2006) a elaboração e utilização correta destes indicadores dependem do entendimento de como estas ferramentas são construídas”. Iniciando com uma tentativa de definição conceitual, no caderno de estudos e pesquisas n° 75 da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia os indicadores ambientais são descritos como:

“a representação de um conjunto de dados, informações e conhecimentos acerca de determinado fenômeno urbano/ambiental capaz de expressar e comunicar, de maneira simples e objetiva, as características essenciais (como ocorrência, magnitude e evolução, entre outros aspectos) e o significado (como os efeitos e a importância sócio-ambiental associado) desse fenômeno aos tomadores de decisão e à sociedade em geral” (SEI; UFBA, 2006, p. 10).

Estes conjuntos de dados a que se refere o documento são também conhecidos por variáveis, e podem ser identificadas a partir daquilo que se propõe avaliar. Os indicadores costumam levar em conta uma série de variáveis, sendo que na media em que o número de variáveis é maior, menor é a chance de que alterações excepcionais de alguma delas produza um efeito significativo sobre o resultado final do indicador. Quanto à finalidade, os indicadores buscam retratar a atividade de produção e consumo e quais seus impactos sobre o meio ambiente. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elenca quatro aplicações principais para estas ferramentas, a avaliação do funcionamento dos sistemas ambientais, a integração das preocupações ambientais nas políticas setoriais, a contabilidade ambiental e a avaliação do estado do ambiente (SEI; UFBA, 2006, p.11). Em relação à sua tipologia existem dois grupos de indicadores, os quantitativos que adotam uma medida específica e a avaliam segundo a sua unidade, tipo, período e/ou abrangência; e os indicadores qualitativos que empregam elementos subjetivos, sem abandonar os parâmetros científicos de análise. As principais etapas para a construção de indicadores são a seleção dos itens, avaliação de suas relações empíricas, combinação dos itens no indicador, e a validação do indicador (LOURENÇO, 2006, p. 4). Na primeira etapa leva-se em conta a validade lógica do item, se ele possui relação direta com aquilo que se pretende avaliar. O segundo passo procura analisar a relação entre as diferentes variáveis utilizadas, para identificar se elas não se referem ao mesmo fator ou estão produzindo resultados iguais. A combinação dos itens é um passo crítico na construção de um indicador, para que se possa estabelecer uma relação entre todas as variáveis é necessário identificar se cada uma delas se refere a um sujeito específico da mesma dimensão em estudo. A última etapa consiste em atribuir valores a cada uma das variáveis para que se chegue ao resultado final, geralmente é atribuído valores iguais para cada uma delas, a não ser que a importância de uma determinada variável para a composição do indicador seja muito maior do que as outras, então é feito uma ponderação estatística para se atribuir valores distintos a elas.

Segundo Van Bellen (2004) as principais ferramentas de avaliação de sustentabilidade existentes atualmente são o “Ecological Footprint Method”, o “Dashboard of Sustainability” e o “Barometer of Sustainability”. O professor da UFSC analisa estes três indicadores por meio de seu histórico e de sua fundamentação teórica, para então tecer algumas considerações críticas a respeito de cada uma delas. Estes instrumentos são utilizados para mensurar o grau de sustentabilidade de sistemas complexos, o primeiro deles pretende estabelecer a “pegada ecológica”, ou a quantidade de recursos naturais necessários para suprir as demandas de um determinado sistema ou unidade. O segundo indicador procura apresentar de forma didática o desempenho econômico, social e ambiental de uma unidade política ou um empreendimento privado. O “Barometer of Sustainability” por sua vez, se notabiliza por ser uma ferramenta que combina diferentes indicadores, mesmo sendo eles contraditórios, possibilitando a formação de índices que expressem a situação da sociedade e do meio ambiente. Em outro artigo Van Bellen apresenta os “Princípios de Bellagio” como um guia para o processo de formulação de indicadores. Ao todo são dez princípios, que tratam da definição da dimensão a ser analisada, seu conteúdo teórico, metodologia e avaliação. Estes princípios servem também para uma análise qualitativa de iniciativas de desenvolvimento sustentável, como a existente no artigo técnico de Cezare, Malheiros e Philippi Junior (2007) sobre as políticas públicas ambientais no município de Santo André-SP. Por meio desta metodologia foi possível definir qual abordagem que determinado projeto ou programa iria ter, analisando criticamente cada elemento de forma isolada foi possível estabelecer se atendiam ou não os Princípios de Bellagio.

Os problemas socioambientais precisam ser enfrentados com políticas públicas consistentes, que atinjam suas causas e não apenas seus efeitos, este objetivo seria dificilmente atingido caso não houvesse ferramentas como os indicadores para orientar a ação dos gestores. Dada a sua importância, os estudos e propostas para a sua construção precisam ser ampliados, com a destinação de um volume maior de recursos para a pesquisa e o desenvolvimento técnico e científico na área ambiental. Toda quantia empregada na prevenção da degradação dos ecossistemas naturais, representa potenciais ganhos futuros para toda a sociedade.

A formulação de pressupostos que possam orientar a atividade humana, para a concretização de um desenvolvimento sustentável é uma tarefa em aberto. Mesmo que a discussão seja realizada englobando a dimensão social, econômica, ecológica, espacial, cultural, política e institucional, não se pode estabelecer que a abrangência da questão tenha sido definida totalmente. A pluralidade de situações e condições existente no mundo contemporâneo, faz com que a realidade seja extremamente volátil. Um modelo de análise socioambiental que possua um arcabouço rígido, em determinado momento poder ser empregado com êxito, em outra circunstância pode levar a resultados imprecisos. As propostas que são feitas para as condições existentes em uma grande metrópole podem não surtir o mesmo efeito em uma cidade de mesmo porte que esteja localizada em outra região ou país. Isto é mais evidente principalmente quando se compara ambientes ainda mais diferenciados, como um assentamento de colonos no campo e um condomínio de luxo em uma cidade. Todos os contextos nos quais o homem está inserido demandam uma política de desenvolvimento sustentável, porém elas não podem ser elaboradas a priori, sem que se conheçam suas características próprias e suas reais necessidades. Isto ocorre geralmente quando se procura implementar uma ação que foi concebida por atores globais ou nacionais a nível local, sem a real dimensão dos problemas ali existentes.

Analisando o contexto brasileiro, sensato é que no nível nacional e estadual sejam elaboradas as premissas dos trabalhos que serão executados no âmbito local,e a parte operacional ficar sob a responsabilidade dos atores locais. O município e a cidade são o lócus da pratica das políticas ambientais, os governos de esferas superiores e organismos internacionais são entes externos a este cenário. Sua atuação deveria ser direcionada ao incentivo do debate teórico, ao incentivo da pesquisa científica e ao fomento das ações locais, o desenho das medidas a serem adotadas poderia ser incumbência preferencial do poder público e da sociedade local. A delimitação de atribuições visa limitar a sobreposição de competências, e desta forma empregar melhor os recursos públicos. Caso a questão fosse tratada desta forma, cada município no país deveria ter sua secretaria do meio ambiente, os governos estaduais e o governo federal poderiam atuar em parceria com estes órgãos, criando linhas de financiamento para suas atividades. Outra medida que as instâncias estaduais e federais poderiam adotar, seria a normatização das exigências de alguns pressupostos, como a gestão participativa e a educação ambiental da sociedade. Esta proposta tende a gerar um maior comprometimento da população local com a solução de seus problemas ambientais e a busca de um desenvolvimento sustentável. Abrindo canais de participação para que os cidadãos possam contribuir para a mudança da sua cidade, cresce seu sentimento de identificação com ela e conseqüentemente a preocupação com as questões públicas.

REFERÊNCIAS

CEZARE, J. P.; MALHEIROS, T. F.; PHILIPPI JUNIOR, A.. Avaliação de Política Ambiental e Sustentabilidade: estudo de caso do Município de Santo André - SP. Engenharia Sanitária e Ambiental, 2007.

LOURENÇO, M. S.. Questões Técnicas na Elaboração de Indicadores de Sustentabilidade. In: 1o. Seminário UNIFAE de Sustentabilidade, 2006, Curitiba. 1o. Seminário UNIFAE de Sustentabilidade. Curitiba: UNIFAE Centro Universitário, 2006. v. 1.

ROMERO, M. A. B.. Cidades Sustentáveis 2000. Disponível em: www.unb.br/fau/planodecurso/graduacao/Pu2B/CIDADESSUSTENTaVEIS.doc, acesso em: 28 de julho de 2008.

Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) e Universidade Federal da Bahia (UFBA). Indicadores de sustentabilidade ambiental. Série estudos e pesquisas, nº 75, Salvador: SEI, 2006.

VAN BELLEN, H. M.. Desenvolvimento Sustentável: Uma Descrição das Principais Ferramentas de Avaliação. Ambiente e Sociedade (Campinas), v. 7, n. 1, p. 67-87, 2004.