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Uma Metodologia de Análise de Redes Sociais (ARS)


Somente pode-se considerar a existência de uma rede mediante uma relação efetiva entre dois ou mais personagens, para o mapeamento e o estudo desta rede relacional é necessário estabelecer alguns critérios que proporcionem uma reflexão clara e objetiva do fenômeno em questão. Para as ciências humanas a análise de redes possui grande importância, pois permite que aspectos teóricos e conceituais que outrora careciam de comprovação e detalhamento, sejam então passíveis de mensuração. Para Queila Souza e Carlos Quandt, a análise de redes sociais (ARS) “é uma ferramenta metodológica de origem multidisciplinar (...), cuja principal vantagem é a possibilidade de formalização gráfica e quantitativa de conceitos abstraídos a partir de propriedades e processos característicos da realidade social” (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 31). Uma rede é composta por diferentes elementos os principais são os “nós” e os “elos”. De acordo com Castells “uma rede é um conjunto de nós interconectados, nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta, concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de que falamos” (2008, p. 566). Na figura 1 é representado um nó por meio do software de análise de rede Ucinet (netdraw).

Os nós podem ser pessoas, objetos, instituições, variando de acordo com a rede em questão e o enfoque que é dado a ela. Por exemplo, uma rede de políticas públicas pode ter como nós tanto os atores ligados a determinada política, como também, as instituições relacionadas a ela. A abordagem é condicionada pelo pesquisador, caso o estudo esteja voltado para os atores a abordagem será centrada no indivíduo, se por outro lado ele pretende conhecer o papel institucional no processo de uma política pública seu trabalho recairá sobre as organizações envolvidas. A centralidade no enfoque em um dos dois tipos de personagens não elimina a necessidade de o estudioso considerar a influência de um sobre o outro. No caso exemplificado, mesmo havendo singularidades que os diferenciem, uma política pública não pode ser formulada ou executada sem a participação de ambos os tipos de personagem no processo.
Ao estudar uma rede é necessário considerar todos os elementos a ela relacionados, mesmo aqueles que não estão constituídos formalmente (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 35; MARTELETO, 2001, p. 73). A estrutura de uma rede não segue o padrão hierárquico convencional, no qual as relações estão condicionadas a padrões pré-estabelecidos, sua constituição regularmente considera a participação de atores que não estão inseridos em uma instituição, com laços somente identificáveis além da estrutura formalmente estabelecida. Esta característica permite que a ARS possa abranger um número elevado de relações, fator fundamental para a compreensão de fenômenos complexos como os existentes na sociedade contemporânea. A fim de compreender os principais conceitos da ARS e sua aplicação para o estudo destes fenômenos, a seguir serão apresentados alguns elementos que a compõem, tendo como base a relação formulada por Queila Souza e Carlos Quandt (2008):
Ator: são os nós identificados por Castells em sua conceitualização de Redes, podem ser indivíduos isolados ou agrupados, organizações ou suas partes. Quando a rede é constituída por atores com as mesmas características ela é unimodal, nos casos em que eles são diferentes ela é denominada multimodal;
Elos Relacionais: tratam-se das formas de relação estabelecida entre os atores, por meio da identificação de seu conteúdo é possível estabelecer a “direção” da relação e a “força” nela existente;
Subgrupo: Quando na estrutura da rede são delineados elos entre atores próximos, seu tamanho e forma de composição são variáveis.
Na figura abaixo são identificados estes três primeiros elementos:

● Relação: conjunto de elos de um tipo específico entre os atores de um grupo.
● Grau Nodal: é a quantidade de elos próximos que um nó possui, representa o grau de “atividade” do ator, nos gráficos onde é apresentada a direção do elo pode-se aferir o número de elos recebidos e enviados pelo grau nodal, havendo em alguns casos uma diferença entre eles.
● Densidade: por meio de um cálculo matemático é considerado o número de linhas existentes em um gráfico, proporcionalmente ao máximo de linhas possíveis. A densidade pode variar de 0 a 1, quando um gráfico possui densidade 0, ou seja, não possui nenhum elo, ele é chamado “vazio”, nas situações em que ele possui a totalidade de elos possíveis para a rede sua densidade é 1, neste caso ele é considerado “cheio”, condição esta que dificilmente é alcançada. Geralmente os gráficos apresentam densidade em torno de 0,5, sendo identificados neste caso como intermediários.

Caminhada: representação em que o nó é apresentado com elos anteriores e posteriores, podendo ser representados mais de uma vez. Sendo que a largura da caminhada decorre da soma do total de elos.
Trilhas e Caminhos: o fator determinante destes elementos é a exclusividade, são caminhadas que podem ser representadas apenas uma vez, as trilhas contém apenas elos e o caminho podem conter elos e nós.
Distância Geodésica: é o menor número de elos entre dois nós. Na figura três ela está identificada pelos elos em vermelho, ligando o ator “Mayor” ao “West”.

Pontos de Corte e Pontes: São nós e elos respectivamente, que ao serem retirados do gráfico separa a rede em subgrupos desconectados ou nós isolados. Os atores identificados como pontos de corte são fundamentais para o funcionamento da rede e a distribuição da informação entre ela. Se a ausência de um ponto de corte ou de uma ponte acarretar o desmembramento da rede isto indica que ela possui baixa conectividade, caso a rede perca um ou mais atores ou elos e mesmo assim sua representação gráfica manter a estrutura unida, ela possui uma alta conectividade.
Grafos Ponderados: representações gráficas das redes em que além de serem demonstrados os nós, os elos e suas direções, são atribuídos valores para cada elemento, a fim de identificar a força ou a intensidade da interação.
Imbricamento Estrutural: é um dos principais conceitos da ARS, por meio dele é possível identificar se dentro da rede há níveis distintos de relações, que possam caracterizar a existência de sub-redes dentro da estrutura principal. O fator determinante é o conteúdo das relações, por exemplo, em uma rede de funcionários de uma empresa, poderiam ser considerados três grupos relacionais, aqueles que se relacionam com os demais apenas no local de trabalho (colegas), os que se relacionam na empresa e fora dela em ocasiões sociais (amigos) e aqueles que possuem relações profissionais e de parentesco (família). Cada nível representaria um imbricamento estrutural.
A aplicação prática destes conceitos para a análise de redes sociais e sua representação gráfica, é feita neste trabalho tendo como base a utilização do software Ucinet, em Molina et. al. (2005) se encontra uma boa leitura sobre os aspectos técnicos da utilização deste programa.
A leitura das representações gráficas das redes pode ser realizada recorrendo aos fundamentos teóricos das ciências sociais, que produz uma análise qualitativa, mas também pode ser utilizada a interpretação das informações por meio de métodos matemáticos (determinísticos) e estatísticos (probabilísticos), neste caso a leitura é realizada de forma quantitativa sobre os dados coletados (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 42). A forma de análise preponderante será objeto de escolha do pesquisador, no processo de identificação do método ele precisa considerar diferentes variáveis, como a preparação pessoal para executar o trabalho, a existência ou não dos dados que se pretende levantar e a aplicabilidade do método para o tipo de estudo que se pretende realizar.
Duas formas de abordagem podem ser ressaltadas na metodologia de análise de redes sociais, a histórico interpretativa e a estruturalista (PENNA NETO; FREY; CZAJKOWSKI JÚNIOR, 2007, p. 51-55). O primeiro tipo tem como base o estudo dos processos históricos e as práticas tradicionais desenvolvidas por algumas áreas das ciências humanas, como a etnografia, a antropologia e a sociologia. Busca compreender os fenômenos existentes na sociedade, característicos de seu campo do conhecimento, por meio da análise de redes sociais. A forma de utilização do método é variada, os autores ressaltam quatro formas de enfoque, o centrado no indivíduo, outro focado nos movimentos sociais, os que o personagem central é o Estado ou as políticas públicas e aquele em a produção e a circulação (de bens, informações, etc.) é o principal elemento do estudo. Na abordagem estruturalista por outro lado, o foco da análise a princípio não está sobre os atores, mas sobre as relações estabelecidas entre eles, e a estrutura social dela derivada. Seu estudo procura estabelecer padrões de interação entre os diferentes atores de uma rede, dois objetivos preponderantes deste procedimento são, compreender por meio das estruturas sociais articuladas em forma de rede como a sociedade se comporta, e também, como o indivíduo é influenciado pelo coletivo social.
Os instrumentos de coleta de dados para a ARS não possuem grandes diferenças para as demais formas de estudos sobre a sociedade, as informações podem ser levantadas por meio de pesquisas documentais, entrevistas, etc.. Há diferentes métodos de coleta de dados (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 46-48), o de “rede completa” procura mapear as relações existentes entre todos os atores de uma rede, o método da “bola de neve” utilizada um grupo de atores como base para, a partir deles, rastrear os demais componentes da estrutura. Nas redes “ego-centralizadas” o método consiste em conhecer primeiramente os atores principais de uma rede (egos), para então estudar a relação existente entre os personagens secundários (alter). O método de múltiplas relações considera que a relação entre os atores de uma rede podem ser de diversos tipos, uma rede pode modificar sua estrutura e densidade quando são analisadas formas de interação diferentes.
Após a coleta os dados precisam ser relacionados para a análise, para isto eles são identificados de forma que possam ser “lidos” por algum software de análise de redes como o Ucinet e o Netminer, e geradores de sociogramas como o Netdraw e o Pajek. Na tabela acima se encontra um exemplo de como os dados podem ser considerados para que sejam identificados os elos de relação entre os atores de uma rede, o número 1 (um) indica que há alguma interação entre os atores, zero aponta a ausência de relação entre eles. Há duas formas de abordar o desenho da rede resultante da pesquisa, a relacional e a posicional, a primeira permite demonstrar o desenvolvimento dos padrões de relação e a segunda busca identificar a estrutura da rede em um determinado momento (SOUZA; QUANDT, 2008, p. 43).
Os assuntos levantados nesta etapa representam uma introdução sintetizada da metodologia de análise de redes sociais, estas questões ao serem aprofundadas servem de subsídios para a realização de estudos empíricos sobre casos específicos. No próximo item serão apontados alguns exemplos de sua aplicação para a pesquisa em diferentes áreas do conhecimento.

Referências

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade, cultura. A sociedade em rede. Volume I, 6ª Ed.. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008.
MARTELETO, R. M.. Análise de redes sociais: aplicação nos estudos de transferência da informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 30, n. 1, p. 71-81, 2001.
MOLINA, José Luis; et. al.. Talleres de autofarmación con programas informáticos de análisis de redes sociales. UAB: Barcelona, 2005. Disponível em: http://revista-redes.rediris.es/webredes/red_tematica/talleresars.pdf. 
PENNA NETO, Manoel Camillo de Oliveira; FREY, Klaus.; CZAJKOWSKI JÚNIOR, Sérgio . Avaliação estrutural das redes sociotécnicas. In: Tamara Tania Cohen Egler. (Org.). Ciberpólis - redes no governo da cidade. Rio de Janeiro: 7Letras, v. 1, p. 47-69, 2007.
SOUZA, Queila Regina ; QUANDT, Carlos Olavo . Metodologia de análise de redes sociais. In: Fábio Duarte; Carlos Quandt; Queila Souza. (Org.). O Tempo das Redes. São Paulo: Perspectiva, p. 31-63, 2008.