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Modelos de Gestão Pública

A literatura sobre as práticas de gestão pública e suas formas de estudo e análise, em geral nos apresenta cinco modelos distintos, o patrimonial, o tecno-burocrático, o gerencial, o democrático-participativo e o em rede (KAUCHAKJE: 2007, 88-94). O primeiro modelo é derivado diretamente da forma como era exercido o governo na idade média, na qual o soberano detinha o território do Estado como sua propriedade e dispunha, tanto dos bens como das funções governamentais, como lhe fosse conveniente (BOBBIO:2000, 225). Esta forma de gerenciar o Estado está na base do tipo de gestão patrimonialista moderno, o governante utiliza o cargo público para distribuir benefícios e assim angariar apoio político, como escreve Guilhermo O’Donell ao analisar o patrimonialismo no Brasil: “a base de funcionamento deste sistema, patrimonialista e inerentemente personalista, é a outorga aos poderosos dos quais depende o seu funcionamento, de prebendas em troca de apoios. Para baixo, o mecanismo principal que faz funcionar o sistema é o clientelismo (na verdade, as prebendas são o primeiro degrau de uma série de hierarquias clientelísticas). Estes sistemas de trocas horizontais e verticais de bens que, para uma concepção mais racional e moderna da vida social e política, são bens públicos, é contraditório com a vigência de um estado de direito, da cidadania e de toda accountability[1]” (O’DONELL, In: SILVA: 2002, 55). O modelo tecno-burocrático adota como parâmetro para a distribuição de recursos entre o funcionalismo e os entes estatais e federados, a meritocracia. Utilizando critérios técnicos realiza uma avaliação de desempenho da burocracia estamental[2], aqueles que obtiverem os melhores resultados seriam benificiários de um volume maior de recursos. Este modelo possui uma grande vantagem sobre o patrimonial, tende a restringir o uso da máquina pública como um instrumento político pessoal, porém, ao privilegiar rigidamente os setores e localidades com melhores resultados gerenciais, possibilita uma desigualdade na distribuição dos benefícios governamentais, dada a tendência de que aqueles que possuem uma melhor condição material tenham também um desempenho melhor, em detrimento daqueles que possuem algum tipo de carência e por este motivo não podem competir no mesmo grau de igualdade. A primazia da burocracia ainda acarreta uma despolitização das demandas da sociedade, os pedidos dos diversos segmentos perdem legitimidade quando apresentados por movimentos e partidos, eles precisam primeiramente ser enquadrados dentro dos critérios técnicos estabelecidos pela burocracia para que tenham oportunidade de serem atendidos. Na década de 1970 nos países desenvolvidos, teve início uma crise do modelo burocrático, que além da dimensão administrativa, também possuía relações com a economia e a área social. O funcionamento interno do Estado neste modelo, não correspondia mais aos princípios da impessoalidade, neutralidade racionalidade, e não atendiam aos crescentes apelos da opinião pública por um maior controle dos gastos públicos e pela melhoria dos serviços prestados pelo governo. Estes problemas impulsionaram a adoção de um novo modelo administrativo na década de 80, pautado por padrões gerenciais existentes no setor privado. O modelo gerencial surgiu inicialmente em governos de cunho neoliberal (Inglaterra e Estados Unidos), e propagado pela globalização da economia mundial, foi adotado por diferentes tipos de governo nos cinco continentes. O gerencialismo possui algumas características básicas: “é orientado para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à inovação e à criatividade; utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos” (BRESSER PEREIRA, In: BRESSER PEREIRA & SPINK: 2001, 28). Paralela e independentemente ao desenvolvimento do modelo gerencial nas duas últimas décadas do século XX, outra prática administrativa ganhava relevância, na qual a sociedade não seria apenas um público-alvo e se tornaria parte integrante do processo de tomada de decisões. Esta integração da sociedade com a administração estatal é importante para a sustentabilidade e o desenvolvimento das políticas públicas, em particular na área social (NOGUEIRA: 2004, 118). A participação também é um dos elementos fundamentais de uma democracia representativa, o interesse que as pessoas possuem de fazer parte dos processos decisórios, e a delegação de poderes por parte da população para que elas possam apresentar suas demandas na arena política, possibilitam o aprimoramento dos mecanismos democráticos. A participação social pode se manifestar de diferentes formas, como organizações sociais (ONG’s, Fóruns, Movimentos); como instrumentos decisórios ou de proposição de leis (Plebiscito, Referendo, Iniciativa Popular) e ainda como espaços de deliberação ou gestão de políticas públicas (Audiência Pública, Conferência de Políticas, Conselhos) (KAUCHAKJE: 2007, 76-83). Embora todas estas expressões e mecanismos de participação social sejam importantes, neste trabalho restringimos a análise sobre os Conselhos. O trabalho desenvolvido nestes espaços muitas vezes é prejudicado por fatores que podem alterar o equilíbrio necessário ao processo decisório entre sociedade e governo, os principais são: dificuldade dos atores, tanto governamentais quanto não-governamentais, em lidar com a pluralidade; a relação conselheiro-entidade; a qualificação dos conselheiros para o exercício de suas funções (TATAGIBA, In: DAGNINO (Org.): 2002, 57). O principal complicador está na relação entre os representantes do governo e da sociedade, por possuírem meios materiais e humanos em maior proporção e por muitas vezes terem uma agenda pré-definida, os conselheiros ligados ao Estado podem tentar exercer um controle das temáticas debatidas, recusando compartilhar o poder decisório. Outros limites são impostos à prática deliberativa nos Conselhos pela competição entre os membros pela alocação de recursos, pelas diferentes propostas, pela defesa de interesses particulares em detrimento dos posicionamentos resultantes do debate e pela falta de capacitação dos representantes de alguma instância. Estas dificuldades podem ser superadas e não diminuem a importância dos Conselhos, dada a função que hoje cumprem junto à administração pública, no controle sobre as ações e decisões governamentais, na discussão publicização dos projetos públicos, e na construção de consensos entre Estado e sociedade (CUNHA & CUNHA, In: CARVALHO, SALLES, GUIMARÃES & UDE (Orgs.): (2002, 19). Os três últimos modelos apresentados possuem características positivas que gradativamente foram incorporadas aos serviços administrativos dos Estados, atualmente é difícil encontrarmos na gestão pública exemplos “puros” de aplicação destes conceitos. Há um certo “hibridismo”, formatos tecno-burocráticos mesclados a práticas gerencialistas e democrático-participativas. Esta estrutura diversificada de modelos de gestão pública em muitos casos gera problemas organizacionais, “não raro, os usuários são atendidos em serviços e projetos sociais desconexos e descontínuos, que não se potencializam mutuamente” (KAUCHAKJE: 2007, 91). Neste momento, é importante identificar as relações de interdependência existentes entre os diferentes atores, envolvidos no processo de formulação de uma política pública. Uma abordagem do conceito de “Redes” favorece a interpretação destes cenários complexos, focando a análise na vinculação existente entre as organizações e as diferentes áreas da administração pública, e como seus interesses são apresentados em arenas de representação, como os Conselhos. A utilização da análise de redes permitirá a discussão da complexa interdependência presente na produção de políticas sobre a ação social e a incorporação de fenômenos e relações informais à análise, indicando a existência de constrangimentos e de permanência nos contextos que cercam os atores (MARQUES: 2006, 20).  

Referências

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Gestão do Setor Público: estratégias e estruturas para um novo Estado. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos & SPINK, Peter (orgs.). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998 (p. 21-38).
CUNHA, Edite da Penha & CUNHA, Eleonora Schettini. Políticas Públicas Sociais. In: CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marilia & UDE, Walter (orgs.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002 (p. 11-25).
KAUCHAKJE, Samira. Gestão Pública de Serviços Sociais. Curitiba: Ibpex, 2007.
MARQUES, Eduardo César. Redes Sociais e Poder no Estado Brasileiro: aprendizados a partir de políticas urbanas. RBCS, v. 21, nº 60, fevereiro. São Paulo: ANPOCS, 2006 (p. 15-41).
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado Para a Sociedade Civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
TATAGIBA, Luciana. Os Conselhos Gestores e a Democratização das Políticas Públicas no Brasil. In: DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002 (p.47-103).
WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

Notas
[1] Palavra da língua inglesa que significa “responsabilidade”, utilizada na gestão pública, na ciência política e áreas afins, para representar o comprometimento e a responsabilidade de funcionários públicos e governantes para com a administração das coisas do Estado, em resposta às demandas da sociedade. [2] O grande promotor da burocracia como um sistema racional capaz de aprimorar a gestão do Estado foi Max Weber (1864-1920), para ele o desenvolvimento moderno da função pública exigiria um grupo de trabalhadores altamente qualificados para o desempenho de sua tarefa profissional (WEBER: 2002, 72), este corpo de burocratas profissionais aliado à avaliação meritocrática seriam as bases do modelo tecno-burocrático.