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O Orçamento Participativo


Assembléia do Orçamento Participativo no
Bairro Morada do Sol em Erechim (RS).
     Semelhante ao que ocorreu com os conselhos gestores de políticas públicas, as primeiras experiências de orçamento participativo (OP) surgiram nos anos que compreendem o final da década de 1980 e o início do decênio seguinte, e também foram fruto do contexto político e social da época, voltado para uma maior efetivação dos direitos dos cidadãos. Mas a experiência de uma gestão orçamentária mais participativa, possui uma diferença na sua origem em relação aos conselhos de políticas públicas. Enquanto este último surgiu no cenário brasileiro através das discussões travadas no âmbito nacional por ocasião da constituinte de 1988, o orçamento participativo têm sua gênese na esfera municipal, por meio dos movimentos associativos existentes no município de Porto Alegre (RS) durante a mesma década, e pela ação do Partido dos Trabalhadores (PT) nesta cidade (MANTOVANELLI Jr., 2006, p. 92-103). Orçamento participativo e conselhos gestores também se diferenciam quanto ao seu desenho institucional, o primeiro possui uma configuração “de baixo para cima”, ou seja, o processo de decisão parte da base da sociedade para as instâncias superiores do poder estatal, nesta dinâmica a entrada e a participação de novos atores não encontra obstáculos; por outro lado, em arranjos institucionais como os conselhos gestores a formação deriva de uma determinação estatal, e seu poder decisional é partilhado, já que eles são formados por representantes da sociedade e do Estado, a participação nestes casos acaba por ser controlada e não aberta como no caso do OP (AVRITZER, 2008, p 44).
     Apesar da comparação entre estes dois modelos institucionais servir para identificar suas diferenças, para que seja feita uma conceitualização específica do orçamento participativo, é necessário conhecer as características que lhe são próprias; ele possui pelo menos quatro. Primeiramente ele se notabiliza como uma concessão coletiva da soberania no âmbito local em favor de instâncias de deliberação, das quais todos os cidadãos daquela circunscrição podem tomar parte com igual acesso ao debate e ao poder decisional. O OP também se caracteriza pela utilização integrada de dispositivos da teoria democrática de participação como as assembléias, que possibilitam a participação dos cidadãos na localidade a qual pertencem; e os conselhos municipais, nos quais a vontade da coletividade é realizada por meio da delegação de poder a representantes. Em terceiro lugar, no estabelecimento das disposições que ordenam o processo deliberativo no orçamento participativo, são os próprios participantes que estipulam as regras a serem seguidas. Por fim, a gestão participativa do orçamento, implica na identificação dos segmentos da sociedade menos atendidos pela administração pública local, de modo que os recursos públicos sejam prioritariamente destinados a eles (idem, 2003, p 14s).
     A estas quatro características identificadas por Avritzer, podem se somar pelo menos outras duas. Ao analisar o sistema do OP de Porto Alegre, Oklinger Mantovaneli Júnior também relaciona quatro aspectos principais na construção deste arranjo institucional. Além da universalização do direito de participação e da auto-regulamentação já citadas, o autor verifica que a participação da população neste caso segue ainda os princípios da publicidade e da prestação de contas. A publicização das decisões tomadas na condução do processo permite que todos os cidadãos, mesmo aqueles que não estão tomando parte das discussões, tenham ciência do que se passa na gestão do orçamento e na aplicação dos recursos, elevando o grau de controle social das ações implementadas. Esta condição ainda é fortalecida pelo princípio da prestação de contas, que no caso porto-alegrense, consiste na exposição às instâncias decisionais do OP na cidade, dos gastos, planejamento e andamento dos projetos. A medida tem caráter institucional, já que ocorre regularmente no primeiro semestre de cada ano (MANTOVANELLI Jr., 2006, p. 104).
     A aplicação dos mecanismos e princípios de participação na gestão orçamentária de Porto Alegre foi bem sucedida ao longo dos anos, seu sucesso contribuiu para que sua prática fosse adotada em outros municípios e regiões, com diferente densidade populacional e extensão geográfica. Nestas localidades as particularidades políticas, sociais e econômicas locais, bem como o formato do institucional adotado, são elementos que influenciam diretamente no sucesso ou no fracasso das experiências de orçamento participativo. Nas pequenas e médias cidades a tendência é que elas funcionem bem, mas esta perspectiva positiva depende principalmente da capacidade destes municípios, de financiarem as ações propostas. A gestão orçamentária participativa também tem sido empregada em regiões de grande extensão territorial, como os estados; nestes casos o bom andamento das atividades e o seu êxito estão particularmente atrelados à vontade política dos agentes estatais, e em maior parte, ao desenho institucional adotado. Embora seja um mecanismo mais vinculado à gestão urbana, o orçamento participativo pode ainda ser implementado nas áreas rurais. No entanto, para que seja bem sucedido há que se manifestar adequadamente nestes casos um número maior de suas características, como a existência de um forte associativismo rural, a capacidade de financiamento, e principalmente, a adoção de um arranjo institucional diferenciado, que conjugue as demandas urbanas com as existentes no meio rural (AVRITZER, 2003, p. 30-44).
   Além das limitações relativas à utilização do OP em circunscrições geográficas de diferentes tamanhos e natureza citadas acima, sua prática também enfrenta dificuldades devido à fragilidade da cultura democrático participativa dos atores da comunidade, o que acaba influindo na forma com que eles se relacionam uns com os outros. Isto se manifesta basicamente de três formas. Em primeiro lugar, por meio de uma baixa propensão à aceitação de compromissos dos membros, o que contribui para o estabelecimento de uma hierarquia entre eles. Em parte isto decorre de um segundo problema; a decisão em muitos casos é tomada pelos líderes e não pelo conjunto dos membros da assembléia comunitária. Isto se torna mais problemático, tendo em vista que os postos de liderança geralmente não acompanham proporcionalmente a estratificação da assembléia, e possuem pouca representação das mulheres e dos segmentos de menor renda, o que potencialmente poderia afetar a distribuição de recursos entre os membros da comunidade. Outra limitação se verifica nos temas abordados pelo OP, em geral eles se voltam para a alocação de recursos para a execução de benfeitorias de infraestrutura. No entanto, a administração pública compreende uma grande variedade de questões, como as políticas sociais por exemplo, e o orçamento participativo precisa considerá-las tanto quanto os bens materiais (idem, 2002, p. 41s).
     A exposição destas limitações do orçamento participativo, não diminui o seu valor para o aprofundamento da democracia nas práticas da administração pública e o aprimoramento da teoria democrático participativa. As eventuais dificuldades na sua implementação podem ser superadas desde que seja feita uma avaliação de suas experiências e haja condições políticas, econômicas e sócio-culturais adequadas. Quanto ao desenvolvimento teórico da democracia participativa, sua contribuição é evidente, e as potenciais limitações mais enriquecem o debate do que lhe causam um efeito negativo.


Referências

AVRITZER, Leonardo. O Orçamento Participativo: as experiências de Porto Alegre e Belo Horizonte. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, p. 17-46, 2002.

_________. O Orçamento Participativo e a Teoria Democrática: um balanço crítico. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander (Orgs.). A Inovação Democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, p. 13-60, 2003.

_________. Instituições participativas e desenho institucional. Opinião Pública. Campinas: UNICAMP, n. 1, v. 14, p. 43-64, 2008.

MANTOVANELI Jr., Oklinger. Políticas Públicas no Século XXI: A perspectiva da gestão multicêntrica (à luz da experiência de Porto Alegre). ed. 1, Blumenau: Edifurb, 2006.